MEDO DA PRESSA sobre pés que se permitem caminhar com calma

Meu texto de boas vindas à São Paulo, essa cidade em que uma hora tem menos que 60 minutos. Dedico à essa terra que amo e que ganhou meu coração.

Nasci com o cordão umbilical a me enforcar. O tempo de nascer precisava ser exatamente naquele instante de um 08 de novembro de 1983. Precisava porque se não fosse eu não viveria.

E sinto que esse instante entre o viver e o não viver me trouxe uma urgência… uma urgência que se somou a uma pressa de fazer a vida ser bem vivida.

Acontece que o “viver bem” e o “aproveitar a existência” foi se somando a tantas distorções que quando dei por mim só havia restado a pressa.

Eu e o incessante estímulo de fazer tudo rápido, de fazer a roda girar e não parar nunca me fez caminhar tão acelerada que eu acelerava todos ao meu redor.

Uma pressa de viver que me fez mãe aos 14 anos. Uma pressa que me fez viver relacionamentos que se esvaziavam tão logo. Uma pressa que me fez percorrer minha faculdade, meu mestrado e meu doutorado e aos 31 anos me ver doutora. Uma pressa em ir à montanha, em percorrer meu Caminho à Santiago de Compostela. Uma pressa em conhecer o mundo, em viajar com minha filha, em salvar o meio ambiente, em curar todas as dores e as feridas da minha alma apressada que ia se batendo pelo caminho.

Apressava a minha filha para abrir a porta mais rápido. Apressava meu banho para desligar o chuveiro logo. Apressava meus pais, minha irmã e todos que estavam comigo. Apressava meus passos para atravessar na faixa mesmo com o semáforo fechado. Apressava o mundo, os dias, as semanas, os meses. Apressava o universo.

Até que um dia eu me dei por mim… “Por que estou querendo fazer a vida correr tão? Por que estou fazendo tudo tão rápido?” Na busca por “viver bem”, ao contrário, eu seguia em direção ao meu próprio abismo.

Até que um dia eu me dei por mim… “Por que estou querendo fazer a vida correr tão? Por que estou fazendo tudo tão rápido?” Na busca por “viver bem”, ao contrário, eu seguia em direção ao meu próprio abismo.

Aquela pequena questão a mim mesma, só fui capaz de fazer depois de conviver tempos com as águas lentas do Rio Negro na Amazônia, com o chacoalhar em ritmo da natureza das folhas da floresta, com a calma dos indígenas de Makunaima que seguem como guias ao Monte Roraima em apreciar a paisagem ao redor mesmo sendo a milésima vez que passam por ali. Foi essa convivência que me liberou para respirar, para parar por um instante e me permitir andar devagar.

Reaprendi a caminhar, a ouvir meus ritmos, a entender onde estava acelerado, a ter consciência da minha velocidade. Reaprendi a ouvir meus pensamentos, a entender meu momento, a respirar profundo e me permitir estar. Foi uma longa jornada até aqui, uma longa jornada de reaproximação à minha essência, criação de um dia a dia em que cabe tudo o que é importante para mim, manutenção de uma vida que acontece no aqui e no agora e que os sonhos se realizam… sem urgência, sem apressamento, em seu tempo e de uma maneira incrível.

Descobri e aprendi muito nessa caminhada de pés apressados, de pés que caminham em ritmo acelerado mesmo quando não há horas a cumprir, compromissos a comparecer, agenda a atender. Hoje me vejo em passos lentos. Passos lentos que mesmo assim percorrem o mundo, cumpre a agenda, resolve o que precisa ser resolvido. Mas também passos lentos que me permitem respirar, suspirar diante da lua, fazer uma oração olhando o sol ilumimar entre as árvores, agradecer o momento e o instante do agora, celebrar o céu azul ou as nuvens carregadas.

Hoje brindo a calma depois de uma vida inteira de muita pressa.

Paula Quintão

27 de agosto de 2017


E MAIS… Para celebrar a chegada e o “boas vindas à São Paulo”, estou preparando um evento presencial e também uma versão online sobre a (não) pressa e sobre o “bem viver”. Também para esse mês de chegada à São Paulo, acontece o pré-lançamento do meu livro “O Caminho Que As Estrelas Me Viram Cruzar”, sobre a vida que me trouxe aqui e sobre a peregrinação à Santiago de Compostela. Em breve terei mais detalhes.

2 Comments

  1. Priscilla Guerreiro

    Gratidão Paula, pela reflexão. As vezes me pego correndo e me agarrando a muitas coisas querendo alcançar
    muitos objetivos, mas paro e vejo que aquela correria toda, só estava me fazendo fugir da minha essência. Um passo de cada vez e a vida fica mais leve, sem se perder nos afazeres, desfrutando o que tem de mais belo, o momento presente. Amei a música, “calma tudo está em calma”???

Deixe um comentário