Porto Seguro

Porto Seguro, por Paula Quintão

Como eu contei no texto anterior, o barco estava marcado para sair às 11h do Porto de Manaus. Mas já era 15h quando começou a se mover para pegar o rio. Aquele tempo de espera não soou como uma espera pra mim, minha usual pressa não se fez presente e eu admirei a referência interna que criei, essa de ficar presente sem se agitar com o tempo. Acontece que assim que começamos a nos mover iniciando a viagem, meu Deus, que grande alegria é estarmos no caminho. Meu corpo que não estava se incomodando em esperar foi então invadido pela alegria de “que bom que estamos em movimento”. Os passageiros se debruçaram na barco e era bonito ver o agito da saída. As manobras do barco, o adeus para o porto, os dedos apontando para mostrar algo aqui e ali. Bonito. Vivo. Culturalmente estabelecemos a busca pelo “porto seguro”, associando que encontrar finalmente nosso porto seguro será uma grande vitória e salvará nossa vida, como se a vida estivesse ganha se enfim encontrarmos esse “lugar” para ancorarmos em segurança. Observemos: o porto seguro é importante para o barco fazer seu embarque e desembarque, para os cuidados de manutenção, para se recalibrar. Mas o porto seguro não é o lugar onde a vida do barco acontece. O barco é feito para navegar, essa é sua natureza, seu Verbo. Antes há as águas a serem navegadas, depois o porto seguro. Imagine organizar a vida do barco em torno do porto e não em prol das águas? O porto precisa ser consequência do destino escolhido. O porto acolhe a chegada ao destino. Culturalmente enraizamos a ideia de que o porto seguro é um lugar de morada segura, um lugar para relaxarmos e finalmente nos sentirmos seguros. Passamos a organizar nossa vida em torno do porto seguro, que pode ser atribuído a uma carreira, um concurso público, um relacionamento, uma moradia. Sim, como lugar de manutenção o símbolo está correto: por ali eu me abasteço, me calibro, me preparo para que eu possa ir e vir navegando pelas minhas águas. A distorção está em enxergar o porto seguro como o lugar onde a vida acontece. Não, a vida acontece no mover-se, no navergar-se, no ir daqui ao destino que nos chama. A navegar.