Numa linda manhã de sol, recebo o domingo de páscoa. Recebo com toda a receptividade para o simbolismo do momento: a renovação. No mais profundo silêncio vou abrindo as gavetas, as caixas, os armários, as mochilas com tudo o que guardei ao longo da vida. Reviro tudo o que há em minha casa, em minha história e em minha alma, numa busca pelo significado de tudo o que coletei. Há coisas que não são mais necessárias e posso entregá-las para outras pessoas usarem, coisas que posso deixar pelo caminho para que floresçam, há tudo o que guardei nas gavetas, itens que podem ser colocados no lixo ou como enfeite na mesa da sala, há peças que nem ficam mais bonitas em mim e não vou querer mesmo usá-las, há uma nova forma de olhar o que tenho para seguir com menos e sentir mais. A casa fica mais leve, os espaços ficam mais livres, a energia flui.
E então, num canto silencioso da casa limpa, é possível sentar e vasculhar os pensamentos, as crenças, as falas que estamos repetindo para nós mesmos dia após dia. É possível (e preciso) olhar com o mais amoroso sentimento as minhas escolhas, minhas atitudes, minha impressão da vida, meu modo de priorizar uma e outra coisa, minha relação com as pessoas queridas que estão em minha vida; olhar minhas dificuldades, minhas amarras, minhas ansiedades, meus desejos, meus avanços, enxergar tudo para sentir o que precisa ser renovado, o que pode sair do lugar, o que já não é mais útil e pode ser deixado pelo caminho, para que assim, num ato de renovação eu me sinta mais leve e com isso mais livre.
Sei que a liberdade está no nosso olhar sobre nós mesmos e tudo o que levamos em nosso interior, nossa história. Sei que é o olhar que nos aprisiona pois ele pode ser muito cruel, muito questionador, muito crítico. E sei que somente eu posso modificar esse olhar, enchê-lo de amor, porque o amor é o sentimento que mais nos impulsiona a olhar com profundidade para algo, um olhar de muita compreensão e afeto. Sei que a liberdade brota do espírito quando ele vai soltando as amarras, uma a uma, até que num momento decide seguir com o mínimo, seguir se amando, e assim alcança a libertação, ganha asas, acessa seu lado divino. Sei que quanto mais amorosos somos com o ser em crescimento que há dentro de nós, mais livres podemos ser. Que a páscoa traga essa renovação de tudo o que carregamos, do olhar sobre nós mesmos, deixando a vida mais leve, o coração mais sereno, o divino mais evidente, a alma mais liberta.
Paula Quintão. 31/03/2013