Sobre a segunda guerra, foram cinco anos, quatro meses e doze dias. Vi esse marco nas paredes da fábrica Schindler, sim, aquela do filme. Os judeus eram percebidos como “não humanos”, como algo tão menos e prejudicial que merecia ser tratado com repugnância e ser eliminado. E o decorrer dessa história sabemos bem – pelo menos do ângulo que nos cabe, sabemos. Acontece que mesmo diante de toda essa perda e desastre para um povo, não há no judeu o traço forte da vítima. Aquele traço de quem reclama pelo dano sofrido, de quem lamenta as injustiças que sofreu, de quem entra em lamúria pela expiação, de quem olha para o outro e acusa “é por sua causa!”. A postura da vítima impede a recuperação. A postura da vítima castra a capacidade de seguir em frente. A vítima, para manter a sua visão e a sua versão, não pode se reconstruir, precisa permanecer na posição de perda. A postura da vítima é portanto contrária à reconstrução. Isso porque toda a energia da vítima está em se colocar, continuamente, sob a ação do opressor. Dessa forma também a vítima impede que o opressor siga em frente e acaba por criar uma dinâmica em que se torna opressora do opressor para que ele a continue a oprimindo. Todas as vezes que a vítima conta sua história de perdas e danos a partir da perspectiva de que houve um culpado, ela precisa, uma vez mais, colocar o opressor na posição de quem oprime para se colocar na posição de vítima. Quando recria esse cenário, é ela portanto que oprime. Com toda a energia liberada para se manter como vítima, não sobra nem energia nem mesmo motivação para se recompor e seguir em frente. Para a vítima é mais confortável e prazeroso se manter do lugar em que diz “a culpa é do outro”. Pra mim uma frase do Bert Hellinger é profundamente bem-vinda nesse contexto: “não trabalho com vítimas, elas são muito agressivas”. Sim, exatamente. As vítimas, para seguirem sendo vítimas, precisam oprimir o opressor para garantir a manutenção do posto “a culpa é dele”. A reconstrução exige que estejamos disponíveis para a vida como adultos: “certo, essa é a realidade posta, ela me causa dores profundas, e a partir dela sou capaz de reunir em mim a força para atravessar esse momento”.