Encho a página de dizeres, articulo meu modo de falar, coloco todo o meu pensamento a funcionar quando estou diante daqueles para quem tanto quero me fazer entender. Sinto, penso, compilo, expresso e bem ali, em frente a mim, está quem me ouve, quem me lê, quem me percebe tal qual deseja. Sim, a percepção inegavelmente pertence ao outro. O que expresso é sempre parte do todo que permeia meu ser. Em mim está plenamente meu sentir – e cada célula, como nos ensina o brilhante físico Fritjof Capra, em “A teia da vida”, faz culminar em nós esse sentir -, está a vivência completa do que penso e todas as reações emocionais que o viver provoca.
Ao expressar, por mais detalhado que o discurso ou as emoções demonstradas possam ser, não levamos ao outro toda a gama de impressões e sensações que há em nós. Levamos parte de nós ao outro. Impossível que seja diferente. E mesmo assim, insistentes que somos, passamos a vida numa luta desenfreada para sermos compreendidos e percebidos integralmente.
Assim o fazemos pelo prazer que é lançar nossas palavras por esse mundo afora, como se abríssemos gaiolas e de lá, pássaros de todos os tipos, tamanhos e cores saíssem a voar pelo céu. Queremos nossas palavras, com o devido crédito a nós – assinatura preciosa que nos leva como marca -, em livros publicados, em posts de um blog, em uma tese de doutorado, em um jornal que circula em nossa cidade, no email do ser amado, no relatório na mão do chefe, na entrevista concedida à rádio, no certificado de participação, na página do perfil do facebook. Ficamos cheios de nós mesmos quando as grades da gaiola já não se fazem presentes. Junto com nossas palavras e expressões percorremos céu e mar, montanha e savana, acreditando que somos e estamos no outro integralmente. Ilusão que nos enche de nós mesmos.
Às vezes eu sinto que procuramos ser entendidos para sermos legitimados. Afinal, com quanta freqüência não atribuímos à discórdia do outro a ausência de compreensão?
Queremos, a partir dessa comunicação, no certificar de que não somos loucos. E aí, procuramos alguém que não no julgue pelo que vamos dizer. Quando a encontramos, começa a corrida desenfreada para sermos entendidos e aceitos. Tudo isso por medo de continuar numa prisão interna, num mundo rico de significados, mas inacessível.
Não, há como dizer todas as coisas, mas daí também não dá pra ouvi-las todas. Nós mesmos, com freqüência espantosa, não fazemos idéia do que se passa no nosso próprio mundo. Justamente por isso que acredito que a arte está mais em ouvir no que em falar. E não só ouvir a si mesmo, ao mais profundo de sua mente, mas também ao outro. Não ouviremos tudo, nem diremos tudo. E ainda bem, porque quando chegássemos ao tudo, nada restaria pra nos manter de pé. Afinal, o que é a vida sem um bom mistério? Podemos, no entanto, querer uma conexão tão forte com outro ser humano, um entrelaçamento tão forte, que chegamos muito perto de entendê-lo. Em certos casos, os entendemos melhor que eles mesmos e o mesmo eles fazem conosco. A sensação que essa situação proporciona é digna de ser motivo de existência.
Ontem eu li um livreto espírita, nada sério ou profundo, mas que me colocou a pensar sobre algo relevante. Na primeira vez que li um livro espírita, a linguagem nele inserida me pareceu estranha, mas dessa vez eu já li tantos que a linguagem me pareceu natural. E, aliás, fiquei rindo ao ver como muitas idéias minhas idéias se estruturam segundo a visão espírita, embora eu não engula a moral cristã anexada no espiritismo brasileiro.
Mas porque estou dizendo isso?
Porque pensei em ler ao invés de escrever. Por certo concordo com cada vírgula do que você escreveu. Não só concordo, como aprecio, me delicio pela sua essência que perpassa as palavras.
Pra ler, concluí, basta prestar bastante atenção. Ler coisas que a pessoa escreve com vontade de entender. Conforme o tempo passar, você se acostuma com a linguagem da pessoa e aí ela se torna parte de você.
No processo de assimilar a linguagem do outro, lançamos mão das faculdades que temos: intuição, razão, sentimentos… E no final, a leitura é uma articulação peculiar dessas faculdades, que só serve pra ler aquela pessoa naquele momento, mas pode seguir mudando com ela. Sem isso, não há amor, mas apenas projeção, sendo o outro transformado numa tabula rasa na qual desenhamos o que quisermos.
Colocações muito maduras Paula. Nos faz pensar… até que ponto estamos realmente em contato uns com os outros? Quão profundo e verdadeiro pode ser esse contato? Em nossa cultura capitalista e ocidentalizada, as pessoas parecem cada vez mais distantes umas das outras. As relações são quase sempre muito superificais, e talvez por isso tenhamos tanta dificuldade em nos compreender mutualmente. Além disso, estamos sempre tão engajados na conquista de objetivos exteriores, que não somos capazes de entender minimamente nem o nosso interior.. quanto mais o dos outros.
Um dos efeitos dessa superficialidade é isso que você comentou em seu post… não enxergamos o outro. Apenas criamos uma interpretação das pessoas de acordo com uma perspectiva inteiramente individual, baseada em nossas próprias idéias, verdades e valores. Neste caso eu não conheço o outro, conheço apenas minhas idéias sobre o outro. Permanecemos sempre em contato com nossas idéias, nossas interpretações, nossas verdades… nunca com o outro, nunca com nós mesmos. Talvez seja por isso que nos sintamos tão sozinhos as vezes. Sete bilhões de pessoas a nossa volta, e ainda nos sentimos sozinhos.
Acredito que a felicidade seja algo muito mais simples do que normalmente se pensa… mas são poucos os que caminham na direção dela. O real contato com o outro, e principalmente com nós mesmos, fazem parte do caminho para ela. Tenho a impressão que você pensa assim também… se me permite, vou ler um pouquinho mais do seu blog para descobrir.. 🙂
Um grande abraço!
Seja bem-vindo, David, por aqui andam muitos dos meus sentimentos, pensamentos, reflexões, momentos de angústia e alegria incontida… há muito de mim aqui. Um grande abraço!