DOS MANTRAS AO FUNK sobre aceitar (e amar) as escolhas do outro

Não pude deixar de sentir minhas pernas entrarem em estado de pânico, quase como uma reação instintiva que diz “corre!!”, assim que cheguei ao estacionamento da “balada” que minha filha implorou que eu fosse. Essas coisas que mãe de adolescente de menos de 18 anos precisa fazer, ir para a festa e ficar lá até que seja hora de voltar para casa. 

Há uma semana eu terminava meu retiro de silêncio, dançava no festival Ilumina, no coração de um asharam na Chapada dos Veadeiros, mantras e canções sobre a luz e o divino em mim. 

Ali, na festa funk sertaneja de quinta-feira, sob as mesmas luzes de pisca que me embalaram na festa do ilumina, eu via minha filha, via aquela geração de meninas e meninos nascidos na década de noventa, com suas garrafas de skol beats cor azul e seus copos que misturam vodka e qualquer outra coisa, cantarem que está tranquilo, está favorável. 

Pra mim também estava tranquilo e favorável, enfim. Minha filha mesmo pediu um canto para eu me sentar próximo de onde estava o DJ e por ali fiquei com minha água com gás olhando a festa e sentido o piscar das luzes. 

As amigas da Clara vinham falar comigo vez ou outra, ficavam dançando animadas achando que talvez eu precisasse dançar para me divertir. Mas eu estava realmente “de boa”. Em paz no meu simples estar. Tudo tranquilo e favorável, enfim, coisa que há um tempo atrás não estaria, coisa que muito me alegrou naquele dia. Talvez há um tempo eu ainda estivesse achando que meus mantras me faziam melhor que os outros, talvez eu achasse que o funk não fosse tão bom para a alma quanto os bhajans. E naquele momento, eu estava em paz. 

E a festa seguia no embalo. Tinha a mina louca da Anitta. Tinha a lapada no chão do Livinho. E tinha o sentar no fuzil, tinha o baile de favela, tinha homens que bomba, bomba, bomba aqui. E continua tudo tranquilo, tudo favorável pra mim. 

E só continua tudo tranquilo e favorável porque enfim meu coração entendeu que tudo bem eu estar dançando meus mantras num asharam em Alto Paraíso ou eu estar esperando minha filha dançar seus funks proibidões. E tudo bem eu fazer minhas escolhas, e tudo bem ela fazer as dela. E tudo bem eu experimentar felicidade imensa quando danço em torno da fogueira do Prem Baba e a minha filha e todos aqueles adolescentes experimentarem felicidade imensa enquanto descem até o chão, chão, chão em frente ao palco da balada. 

É claro que como mãe eu tenho responsabilidade sobre minha filha. E responsabilidade tem a ver com manter em segurança, em orientar sobre as consequências, em mostrar possibilidades de direções. Nada tem a ver com achar melhor ou pior a música que embala sua festa, nada tem a ver com achar que é melhor ler livros do Osho ao invés do Sherlock Holmes.

Tudo bem que haja diversidade, porque é mesmo lindo que haja. Tudo bem que uns gostem dos funks proibidões e outros gostem dos bhajans indianos. Cada um com seu caminho, cada um com suas escolhas, cada um com sua música. Escolhas e caminhos que não fazem de você nem pior nem melhor que outro. 

No fim das contas, eu adorei ir para a festa balada de quinta com a Clara. Apesar de minhas pernas ainda reagirem com o instinto de “corre!” em alguns momentos, é lindo poder receber da vida lições sobre a tolerância, sobre o não julgamento, sobre a não separação, sobre o aceitar as escolhas do outro como sendo as escolhas do outro. 

Para encerrar, deixo aqui o texto de Mooji que há uns anos foi fonte de inspiração para eu transformar meu coração em um coração em paz com o que eu quero e com o que o outro quer. 

“Se você acha que é mais “espiritual” andar de bicicleta ou usar transporte público para se locomover, tudo bem, mas se você julgar qualquer outra pessoa que dirige um carro, então você está preso em uma armadilha do ego.

Se você acha que é mais “espiritual” não ver televisão porque mexe com o seu cérebro, tudo bem, mas se julgar aqueles que ainda assistem, então você está preso em uma armadilha do ego.

Se você acha que é mais “espiritual” evitar saber de fofocas ou noticias da mídia , mas se encontra julgando aqueles que leem essas coisas, então você está preso em uma armadilha do ego.

Se você acha que é mais “espiritual” fazer Yoga, se tornar vegano, comprar só comidas orgânicas, comprar cristais, praticar reiki, meditar, usar roupas “hippies”, visitar templos e ler livros sobre iluminação espiritual, mas julgar qualquer pessoa que não faça isso, então você está preso em uma armadilha do ego.

Sempre esteja consciente ao se sentir superior.

A noção de que você é superior é a maior indicação de que você está em uma armadilha egóica.

O ego adora entrar pela porta de trás. Ele vai pegar uma ideia nobre, como começar yoga e, então, distorce-la para servir o seu objetivo ao fazer você se sentir superior aos outros; você começará a menosprezar aqueles que não estão seguindo o seu “caminho espiritual certo”. Superioridade, julgamento e condenação.

Essas são armadilhas do ego.”

-Mooji

Paula Quintão

31 de julho de 2016

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