Dedico ao meu pai.
Houve um tempo em que tudo o que eu escrevia, escrevia a caneta. Porque eu pensava ser assim a vida… uma vez escrito, escrito está. Mas os caminhos me mostraram que ao contrário de a história vivida ser imutável, ela se transforma a cada dia e a cada momento. O passado está vivo.
Ontem terminou meu retiro em Piracanga, e ainda daqui, das margens do rio, eu posso escrever o texto de hoje contando uma história que foi reescrita dentro de mim, agora com outro significado. A mesma história, outra Paula. Com um outro olhar e toda a história se transformou.
Era uma vez umas férias de verão. Férias de verão na Bahia. Família feliz. Praia, coqueiros e muito picolé e milho verde na areia da praia. Tios, primos e casa partilhada. Só festa. Tobogã, toboágua e lambaeróbica. Estávamos pelos idos de 1996.
Essas férias eram uma verdadeira saga que envolvia uma logística desde fazer caber toda a bagagem no carro até conviver com as músicas que cada um queria ouvir na viagem. “Caos” costuma ser um outro adjetivo apropriado. Chegar ao destino era sobreviver a uma maratona.
E lá estávamos nós…!
Aproveita, aproveita e chega o dia de voltar para casa. 1000km de viagem, ardido na pele depois de tanto sol, carro sem ar condicionado e mesmo assim “está tudo bem! é festa”. Foi nesse momento, que meu pai teve a “genial” ideia de fazer a viagem ficar inesquecível e apimentar o caos com tempero baiano… resolveu comprar uma jaca para comermos em família quando chegássemos em casa.
Meus tios foram logo intervindo!
“César, come aqui mesmo!”
“César, compra no norte de Minas, lá também tem e vocês viajam menos tempo com a jaca no carro”
“Não!!” Gritou meu pai. “Quer dar opinião, joga na loteria!”.
Meu pai não falou isso de jogar na loteria naquela situação, mas ele vez ou outra solta essa, então cabe como se tivesse dito. O que aconteceu foi que ficou aquele climão. Silêncio total. Todo mundo meio esquisito, mais esquisito que a própria jaca.
A jaca ganhou lugar fixo: no meu pé a viagem toda. Eu menina, nem pensei em contrariar. Enfiei o pé na jaca pelos 1000km. 40 graus.
Em Minas, é hora de provar…. “hummm”, fizemos todos com um sorriso amarelo jaca.
As férias de verão passaram, a jaca passou, mas a história continuava viva dentro de mim naquele mesmo lugar de silêncio e climão.
Até que agora, nessa minha semana de retiro, no dia de cuidar da nossa mais profunda conexão com a terra, num exercício tínhamos que plantar sementes em alguns potinhos de plástico e entre elas, havia sementes de jaca. Na mesma hora, toda essa história da viagem com a jaca nos meus pés surgiu na minha memória e escolhi plantar a jaca. Foi um momento muito lindo e especial para mim porque eu pude ver a grande oportunidade que meu pai tinha me dado de viver a história caótica mas também que ele estava simbolicamente a me dizer “o que é a vida sem um bom momento dedicado a enfiar o pé na jaca, não é mesmo?”. Era como se ele estivesse me autorizando, nas entrelinhas daquela história toda, a fazer o que fosse preciso para ser feliz, mesmo que isso significasse em alguns momentos “enfiar o pé na jaca”, seguir por caminhos que nem seriam assim tão na linha, mas que me libertariam para viver o que sou em essência.
Desejei, naquele momento de mãos na terra, que aquela semente se tornasse uma bela jaqueira e que dela um pai pudesse também comprar uma jaca nas férias da Bahia, levar para casa e comer com a família, para que outro pai pudesse oferecer um momento “pé na jaca” para suas filhas, que rendessem um climão que depois se transforma em ótimas histórias de comédia, de libertação e de cura.
Paula Quintão.
17 de janeiro de 2016
Interessante perceber que TUDO na vida tem sentido. Aquela simples jaca serviu de ELO entre seu pai e a família. Cumpriu divinamente o objetivo de agregar todos com o memos fim: serem felizes JUNTOS.
Paulinha rios de lágrimas jorraram dentro de mim já no início “Dedico ao meu pai”. Que história linda principalmente por poder revê-la na presença de seu painho….sem mais palavras amadas…só emoção. Muitos beijos.
Nahdyj, há semanas você postou esse comentário e sabe que agora, todas as vezes que me lembro desse meu texto, eu me emociono por causa da sua emoção “Dedico ao meu pai”. Saudades, querida, me escreva contando como está tudo por aí. Beijos!
Liberdade para viver o que sou em essência. Do que mais precisamos na vida? Mais nada, só isso mesmo. Gratidão Paula!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!