Lá no sítio da minha avó, nas férias da infância, tinha a mesa posta quando chegava alguém. Minha avó Maria estendia a toalha numa das laterais da mesa, tirava as xícaras do armário e colocava os pires e também guardanapos. Coava café preto. Tirava da geladeira o queijo fresco feito pelo meu avô. E naquele pedaço de mesa o clima era outro. Era de conversa entre adultos. De um saber como estava a vida do outro. “E Neguinho de tia Zezé, tem notícias? E Duquinha de Inácia, como está? Ah, essa é a Paula de Nara. Tá grande, né? Quem tá grande também Carlinha de titia Dodô.” Aquela prosa que ia remendando uma história e uma notícia na outra, quando dava uma certa hora, a mesa era retirada e a vida seguia, tanto de quem veio e agora foi, como de quem chegou e ficou. Minha mãe tem o mesmo dom, monta a mesa em minutos. Você mal piscou e a toalha, as xícaras, os pires e os pães, queijos, biscoitos, bolos e cafés já estão a postos. A mesa posta cria uma prosa interna em mim graças à minha mãe e graças a minha avó, com a mesa posta posso escrever muitas e muitas páginas. É como se toda aquela conversa ouvida tivesse criado um crédito de histórias dentro de mim. E foi essa mesa aí que me trouxe a Cracóvia. Vi em fotografias da Jaqueline Quirino, ela quem eu nem conheço pessoalmente, acompanho o trabalho há um tempo porque encanta meus olhos. Suas fotos da Cracóvia mexeram com algo tão profundo em mim que dentre todos os lugares da Polônia que eu precisava escolher para estar, foi aqui que se iluminou. E por causa dessa mesa. Desse bule. Desse café. Dessa xícara com pires. E por tudo o que conduz. Vim pela mesa posta. E chegando aqui, vagando pela cidade, hoje tudo o que eu queria eram mais horas dessa mesa, então me dou conta de que o que estabelece memórias em todos os países onde estivesse e lugares onde vivi são as mesas postas onde eu me sentei para escrever. Assim eu componho. Assim eu fico inteira de novo. Da mesa posta, eis a minha sinfonia.
