DO ATACAMA À VIDA DE MÃE sobre os acordos de receptividade

Dedico à minha mãe, pelo poder de receptividade que tem diante de tudo na vida.

Entre turbulências, o avião se aproximava do momento do pouso em Calama e eu olhava o mundo deserto lá fora. Os próximos 5 dias seriam de Atacama e olhando aquela paisagem que sim, era bonita, mas tão ensolarada e tão repetitiva que tudo o que consegui como a soma dos fatores, turbulência + sol a pino + paisagem de areia repetitiva foi um suspiro de mal humor.

“Como que eu vou sobreviver a 5 dias de deserto?”, comentei a mim mesma em pensamento.

O avião pousou, enfim. E segui em direção à porta olhando o sol estrelado chamuscando de luz o mundo lá fora e já fui me preparando para iniciar minha temporada verãozão do deserto. Digamos que viver em Manaus por 5 anos criou em mim a associação direta entre sol lá fora e calor dos mais fortes. Eis que quando eu coloco meus pés na escada de desembarque, meus cabelos começam a voar bem alto, um vento forte circula meu corpo e o sol a pino não é capaz de me aquecer… a temperatura estava das mais agradáveis, levemente frio.

Totalmente surpreendida, olhei para a “Paula” que suspirava de dentro do avião e fiz ali um acordo de receptividade. “Seja lá o que aconteça durante os próximos 5 dias, eu viverei tudo com a maior receptividade do mundo”. 

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Vivi, naqueles 5 dias de deserto do Atacama, uma intensa e linda viagem de surpresas felizes proporcionadas por um deserto que guarda muitas magias. Explorar o deserto era me surpreender com fontes de água em formato de olhos no meio do nada. Era estar entre montanhas de areia e ouvir o estalo e a música que elas produziam se fechasse meus olhos e me permitisse ouvir. Era nadar em águas tão salgadas que meu corpo estava sempre a flutuar. Era pedalar quilômetros e quilômetro em meio a uma paisagem gigante de tirar o fôlego. Era ver um céu de um azul supremo.

O Atacama me trouxe muitas revelações sobre a beleza de permitir o inesperado entrar na minha vida. E hoje, dia das mães, consigo de repente também me surpreender pelo fato de que com a minha experiência materna eu vivi exatamente o mesmo processo. 

Grávida, aos 14 anos, tudo o que eu pensava era se seria possível que alguma mágica acontecesse para me tirar dali. Sofria por não saber o que seria da minha vida, sofria por não conseguir contar aos meus pais, sofria com a minha culpa. “Como eu vou sobreviver a vida de mãe?”, perguntei muitas e muitas vezes a mim mesma em pensamento. 

Quando finalmente meus pais ficaram sabendo e me encheram de carinho, aceitação, amor, eu pude enfim me abraçar também com carinho, aceitação e amor e dizer a mim mesma que “seja lá o que aconteça, eu viverei com a maior receptividade do mundo minha vida como mãe”. 


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E assim minha pequena Clara nasceu num verão mineiro e amou, desde seus primeiros minutos de vida, o ar condicionado que refrescava. E sorria de canto de boca sendo simpática e agradecida ao acolhimento. Vivi, nos meus últimos 17 anos de maternidade, uma incomparável aventura de surpresas felizes, momentos desafiadores, risos incontidos, viagens mágicas, apreensões sobre estar fazendo o meu melhor, noites e noites mal dormidas, entusiasmo por ver minha filha ganhando o mundo e um leve aperto no peito de amor e cuidado profundo que se misturam.

Minha vida ganhou upgrade com a presença da Clara.

Ser mãe foi mais que simplesmente um processo vivido pelo meu corpo e meus instintos. Ser mãe foi uma decisão, a decisão de ser receptiva a tudo o que houvesse pelo caminho. 

Há exatamente um ano eu via minha filha argumentando com os seguranças do aeroporto de Londres que depois de revisarem sua mala para embarque queriam jogar alguns de seus muitos frascos de coisinhas de beleza fora. Eles se divertiam com as expressões da Clara, ameaçam jogar mais frascos fora só para ver ela jogando suas frases de efeito, falavam dos piercings dela em tom de graça e ela, com seu inglês todo bem feito, argumentava e argumentava. Fiquei observando de longe, emocionada, toda aquela cena e das muitas que vivi como mãe aquela me traz um sensação de felicidade imensa… por ver minha filha ganhando o mundo, por ver minha filha usando sua força, por ver minha filha usando suas asas.

A vida reserva surpresas. Um deserto. Uma vida como mãe. O inesperado que nos aguarda a cada esquina. Tudo providenciado pela existência. A nossa parte da história tem a ver com a postura que assumimos: estarmos receptivos ou nos fecharmos para o que vier, estarmos  totalmente entregues àquela experiência ou nos fecharmos a ela. É uma escolha. É uma escolha que fazemos a cada instante dessa vida. Seja ao ler esse texto, seja ao nos sentar em almoço de família para celebrar o dia das mães, seja num relacionamento, seja na criação de um negócio, seja numa viagem ao Atacama, seja ao ser mãe.

Nem sempre consegui ser totalmente receptiva, nem sempre consegui me entregar totalmente, mas em todas as vezes que fiz isso, colhi magia… e independente dos desfechos, nunca me arrependi. Por isso escolho, mais e mais vezes, ser pura receptividade.

Paula Quintão

08 de maio de 2016

 

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0 Comments

  1. Leti Copat

    Amei o seu texto! Realmente você diz tudo quando menciona que receptividade faz parte de todos os processos de nossas vidas. Quanto mais estivermos dispostos e receptivos às mudanças, mais chances teremos de tirar bons aprendizados.

    1. Paula Quintão

      Que alegria saber, Leti, e é assim mesmo como disse… “quanto mais estivermos dispostos e receptivos, mais temos bons aprendizados” e também ampliamos o poder nas nossas vivências. Vivemos mais e melhor. Receba sempre minhas boas vindas aos meus textos.

  2. Rico Oliveira

    Mais um lição, pautada em histórias de verdade. Como sempre, um texto tocante que nos conduz a repensar atitudes e pensamentos. Obrigado, Paula.

  3. Pedro Penna

    Do tipo: abra seu coração e deixe sua alma se acariciar de inumeras oportunidades gratificantes que chegam num sopro de vento ou de água para acalentarem seu coração no meio desse deserto de incertezas e por mais vazio que pareça, esta cheio de novidades…
    Eh… vc me inspira!

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