Vez ou outra me vejo a revisitar lugares do passado. Não só em memórias, mas em visitas físicas, dessas quando vamos a um colégio onde estudamos ou ao quintal de nossos avós, na rua onde jogávamos bola com outras crianças ou nas praças onde passamos nossa adolescência. Ou mesmo um lugar onde estive meses atrás, poucos anos antes do hoje. Tudo tão recente, tudo tão diferente.
E é bem verdade que muitas dessas memórias e lugares têm um ar de “eu poderia ter feito diferente”. Ao olhar para o passado, como é fácil perceber onde poderíamos ter agido de outra maneira, feito outras escolhas… É bem típico esse olhar sobre partes da nossa história quando os revisitamos a partir do dia de hoje.
Nos últimos dias pude visitar muito profundamente meus lugares de maternidade. Ainda mais que estou diante de um grande voo de independência da minha para sempre pequena Clara. Pude mergulhar em memórias de quando eu estava grávida, de quando nos primeiros dias de vida da Clara eu, a mãe adolescente em seus 15 anos, me vi diante de tantas limitações, de tantas dificuldades.
E quando olhamos para o passado com o olhar e a bagagem que temos hoje é muito fácil iniciamos um ritual de culpa, de cobrança sobre o motivo de não termos feito diferente, termos feito melhor do que fizemos. Pensando na maternidade, eu poderia sim ter feito muitas coisas diferentes se a Paula de 18 anos atrás fosse a Paula de hoje, claro que poderia… a Paula de hoje já sabe mais, já viveu mais, já acumulou mais sabedorias e conhecimentos, tem o mais referências, mais amigos a quem pode pedir ajuda, mais clareza sobre tantas questões…
E isso para tudo na vida. Pra tantas e tantas memórias, podemos revisitar o passado com esse constante olhar de “eu teria feito diferente… eu me arrependo de como eu fiz”.
É muito fácil e também muito comum nossa versão de hoje olhar para nossa versão do passado e iniciar um ciclo de desmerecimento pelas escolhas, de culpa pelo que não foi feito, pelo que não foi entendido, pelo que não foi percebido, pelo que não foi sequer pensado como solução. Dessa culpa e desse desmerecimento sobre nossas escolhas, nasce um arrependimento muito grande, uma dor que toca em lugares que podem nos desmontar e tirar tantas forças.
No presente, no dia de hoje, temos muito mais clarezas, muito mais informações, muito mais bagagem do que tínhamos naquele ponto do passado, seja ele há um mês, há um ano, há décadas de vida…
Sinto que há dois tipos de arrependimento, um de alta frequência, aquele que olhamos para o passado e valorizamos nossa história e o que foi possível fazer no momento, tirando aprendizados e mais consciência daquela vivência. Esse arrependimento de alta frequência é raro. É bem mais raro. O tipo mais comum é mesmo um arrependimento de baixa frequência, ele tem mais a ver com um remorso, com uma sensação de culpa e de até mesmo maus tratos ao que somos, fizemos e escolhemos. No arrependimento de baixa frequência nós vamos nos julgar, vamos nos criticar, vamos nos acusar, e como consequências vamos andar em círculos e nos aprisionar.
Além disso, o arrependimento da crítica e da culpa é infinitamente injusto com nossa história. Isso porque a versão da Paula de hoje andou mais nessa estrada da vida, já sabe o que vem depois da curva. A versão da Paula do passado não sabia o que vinha na continuação do caminho, precisava fazer suas escolhas e as fazia com base nas ferramentas que tinha naquele momento específico de história.
Olhar para o passado depois que juntamos tudo o que juntamos pelo caminho, tantas percepções a mais do que temos hoje do que tínhamos ontem, é uma comparação de olhar extremamente injusta com a versão do passado.
A liberação de toda a culpa, de todo o peso, de toda a injustiça com nossa versão de ontem está em acolher nossas histórias com todo amor por nós mesmos e valorizar o fato de elas terem nos trazido ao aqui e ao agora. A liberação vem de um lugar de agradecimento pela vida ter sido exatamente como foi e que graças a esse caminho, em seus trancos e barrancos, termos recebido todas as luzes, as clarezas, as sabedorias, para hoje termos a opção de fazer diferente.
Nos próximos dias entrego minha filha ao voo que a leva a sua nova etapa de vida, de muita independência e passos livres, e a entrego com o coração limpo e preenchido por eu ter feito, sempre, o meu melhor, dar tudo o que pude dar em cada uma das etapas desse caminho. Coração preenchido pela oração, “seja feliz, minha filha, a você todo o meu amor”. Eu saúdo e celebro a história tal como ela foi, perfeita como foi.
Paula Quintão
20 de agosto de 2017
Que texto maravilhoso Paula, nos remete a uma profunda reflexão, devemos saber a hora de curar nossos próprios arrependimentos, alguns deles, por incríveis que pareça… imaginários. O auto medicamento voluntario do Perdão nos proporciona isto, tão claro e óbvio. Volta por cima e rumo a vida!!
Robson, alegria seu retorno e seu olhar. Sim, é o perdão que nos libera em profundidade e para sempre. Seguimos em curas.
Oi Paula! Acabo deixando pra ler depois os e-mails e numa dessas poderia ter perdido esse texto tão lindo e tão verdadeiro. Me identifiquei demais com suas palavras e nesse início de semana veio como um abraço em mim mesma. Como é difícil de praticar esse carinho com nossas escolhas do passado, hein? Mas sigo tentando. Boa semana pra vc!
Gisela Moraes.
Mais um lindo texto que nos leva às profundezas do nosso EU.
A luz de suas doces palavras, Paula, nos guia pelos caminhos da incessante busca interior.
Sobre liberar a culpa, rememorando o passado, é consolador perceber que não estamos sós.
Grato mais uma vez pelo carinho e cuidado.
Abraços???
Boa, Paula!