MEDOS PRECISAM DE NOME sobre lições valiosas recebidas pelo paraquedismo

Há 3 anos terminei meu curso de paraquedismo. Hoje sinto que foram 6 meses de curso que substituíram possíveis 10 anos de terapia. 

Em um curto intervalo de tempo, quanto autoconhecimento, quanta percepção sobre mim mesma e principalmente quantos aprendizados sobre meus medos. E aqui, nesse texto, é sobre os medos que quero tratar. 

Naquela época, pela intensidade da coisa toda, escrevi alguns textos sobre a experiência que é, digamos assim bem claramente, incomparável. Não há nada nesse vida que soma os elementos do paraquedismo: os preparativos, o estar no avião que sobe até chegar ao seus 12 mil pés, o sair pela porta de um avião que segue seu caminho, o mergulhar no nada, o voo em queda livre, a confiança no paraquedas, seus pés pequenos e flutuantes sobre a cidade, e o pouso que te faz sentir o ser mais vivo desse planeta. 

Definitivamente, nada é igual. 

E o paraquedismo se iluminou no meu caminho, holofote dizendo “vem, Paula, viva essa experiência”. 

E esses chamados do coração, eu sei, precisamos atender. Eu sabia: havia algo precioso para mim. 

O curso é composto por 8 saltos Há lá alguns procedimentos de segurança para você aprender, coisas simples, mas que o medo faz transformar em obras de arte da dificuldade maior. Terminei meu curso com pra lá de 10 saltos. Fui reprovada algumas vezes. 

A coisa começou muito bem. Nos três primeiros saltos está previsto que você é acompanhado, assim que sai da aeronave, por dois instrutores. Um te segura de um lado. Outro de segura do outro. E isso me dava um certo nível de segurança sobre meu corpo sair por aí girando pelos ares logo depois que eu saia pela porta do avião. Fazia os procedimentos e tudo correu bem nesses primeiros estágios do curso. 

Acontece que gradativamente, do primeiro até o terceiro nível, meu medo foi aumentando. E muito.

_mg_2821

_mg_2844-1

captura-de-tela-2013-06-17-as-20-19-42

captura-de-tela-2013-06-17-as-20-19-47

Olhava aquela porta imensa e entrava em pane interior. Medo. Medo. Medo. Fazia mil respirações entre o momento de embarcar, o tempo dentro da aeronave e o ponto alto da minha ansiedade: a porta do avião. 

Aquela porta é mesmo muito simbólica. É o símbolo de tudo o que é novo para nós. É o símbolo de todos os nossos processos de transição. É o símbolo da mudança. Todas as vezes que entramos em contato com o novo, é assim que nos sentimos: saindo de uma plataforma conhecida, sólida, que sustenta nossos pés, e caindo em direção a um nada, a um vazio, a um total salto no ar. A passagem pela porta é o momento chave da nossa transição, da libertação, da confiança de que “lá fora”, vai dar tudo certo. 

E ao passar pela porta, por alguns instantes, nosso corpo fica meio instável, principalmente quando somos aprendizes. Ele dá uma balançada e nosso grande objetivo aí é fazer uma posição que os paraquedistas chamam BOX. É super simples, o umbigo que se torna o centro mira para o chão, e braços e pernas colaboram para que esse centro ganhe força. Em apenas 3 segundos na posição BOX, por mais bagunçado que seu corpo tenha ficado após sair da aeronave, ainda assim, ficando na posição, tudo se ajeita e você vai estar em uma queda livre bem harmônica. 

Cheguei então ao quarto nível do curso. Naquela etapa, ao invés de 2 instrutores, seria apenas um. Meu instrutor era o tipo mais querido que poderia haver, eu tinha total segurança nele. Mas acontece que havendo apenas um instrutor na saída da aeronave me segurando, minha sensação de fragilidade era ainda maior. E eu entrei em uma crise de muito medo. 

Estava já a 12 mil pés. Todos fizeram, um a um, seu salto e eu, que era a última a sair naquele dia, não consegui. 

Aquela é uma das cenas que tenho gravada de mim mesmo que ainda hoje me enchem de sensibilidade. 

Eu era como uma menina pequena, criança em seus 8 anos, olhando o mundo lá embaixo, ajoelhada diante da porta, sentindo que aquele desafio era grande demais pra mim. E eu não saltei aquele dia. Fiquei ali dentro. Olhando sem entender onde de fato vinha o meu medo.

Não era medo de altura. Eu poderia ficar ali sentada na porta aberta balançando minhas pernas feliz da vida. 

Não era medo do paraquedas não funcionar. Eu poderia confiar mais no paraquedas que nas faixas de pedestre.

Acontece que havia um medo terrível. E eu não sabia exatamente MEDO DO QUÊ. 

E medos, para serem diluídos, dissolvidos, curados e sarados, precisam, antes de qualquer coisa, ganhar nome e sobrenome. 

Eu sabia que precisava descobrir qual era a origem do meu medo para conseguir também concluir meu curso de paraquedismo. 

Por seis meses, fui me arrastando fazer os saltos. Parecia ir para a guerra. Por várias vezes pensei em desistir, estava pesado demais, difícil demais. Mas algo em mim dizia “fique calma (o máximo que puder), e segue seu curso”. Levei tempo. Parecia a eternidade da eternidade todas as vezes que eu tomava coragem e ia para o aeroclube fazer um salto a mais do meu curso. 

E mesmo fazendo um salto a mais, vez ou outra eu era reprovada, porque simplesmente não conseguia fazer os procedimentos simples que era preciso fazer depois de sair pela porta do avião. 

Sair pela porta se tornou meu maior desafio e então, depois que eu conseguia, meu corpo não queria mais nada, só queria relaxar, voar solto como folha. E então eu girava e girava, meu instrutor precisava me “catar” pelos ares. 

Lá pelo nono salto, reprovada umas 2 vezes já, pousamos. Alívio e felicidade total. “Paula, veja, pensei numa solução….”, veio meu instrutor com toda paciência e delicadeza do mundo…  “…talvez seja bom você fazer uns exercícios de musculação, pra depois que seu corpo relaxar tanto pelo menos ter um músculo que nos ajude a completar o salto e fazer os procedimentos do treino”. hahahahaha Foi o que o instrutor precisou me dizer.

Mas eu sabia que se o medo desse uma aliviadinha na situação, eu conseguiria fazer os exercícios, conseguiria fazer o que tinha que fazer. 

Acontece que enquanto eu não descobrisse medo de que eu sentia, a coisa não avançava. 

E então, quando cheguei ao quinto nível do curso, eu já com 10 saltos eu acho, tive outro momento de pico. 

Nesse nível eu saia sem o instrutor me segurar. E nesse dia eu estava com outro instrutor. E detalhe, um instrutor que eu definitivamente não gostava muito e confiava pouco. Era hora da porta e 1, 2, 3… não consegui saltar. 

“Não vou conseguir saltar sem que me segure, por favor, sai comigo, não consigo”, eu disse para o instrutor quase implorando com toda a minha alma. “por-fa-vor”. “Sim, vamos, eu vou te segurar na saída”, ele me disse. Nós saltamos. 

Pousei em prantos. 

Emocionada. Sensível. Frágil. 

Meus amigos do aeroclube me olharam, me cuidaram como puderam, fizeram roda ao meu redor pra dizer que ia dar tudo certo. Meu namorado daquela época me abraçava, dizia com todo amor que tudo ia dar certo. 

Nesse dia fui pra casa. E não dormi. 

Primeiro chorei muito. 

Depois fui determinada a só voltar a fazer qualquer outra coisa depois que descobrisse qual era meu medo afinal de contas. 

Sentei na porta da minha varanda e comecei a simular o salto, o som da aeronave, e minhas emoções eram tão reais, meu coração estava tão ansioso, batendo tão forte, estômago revirado. 

Fiz mil simulações, mil idas e vindas. Até que foi clareando. Clareando. Clareando. 

Encontrei! Achei o nome do meu medo. 

Celebrei, celebrei. 

Que sensação de força, de alívio. 

Eu sabia agora medo de que eu tinha e assim eu conseguia dialogar com ele. Ponderando que realmente fazia sentido e o que não fazia, acalmando o coração. 

Eu tinha medo do caos. 

Eu tinha medo de todo aquele descontrole que acontecia com meu corpo logo depois que saía pela porta. 

Eu tinha medo de depois que o caos se estabelecesse, eu nunca mais conseguisse voltar para a situação de ordem. 

Há uma verdade nessa vida: situações simbólicas do dia a dia representam também o modo como lidamos com as situações de vida. 

E eu tinha dificuldade de organizar o caos. Pra mim, depois de o caos se estabelecer, a coisa se perdia, não tinha mais jeito, não tinha mais solução. 

E como eu poderia continuar com essa crença em plena queda livre?

Eu precisava SIM dar jeito no caos. 

E pra isso eu só precisava de 3 SEGUNDOS na posição box. 3 segundos e pronto! o caos estava organizado, o caos estava resolvido e minha queda livre, por mais bagunçada que estivesse, era de novo uma bela e organizada queda livre. 

Na manhã seguinte, às 8h da manhã eu já estava no aeroclube. Antes mesmo que qualquer pessoa chegasse, eu estava lá sentada. 

Eu ia fazer todos os meus saltos aquele dia, os 3 que faltavam e terminar, de uma vez por todas, o meu curso. 

E assim foi: 2 saltos pela manhã. E um último salto à tarde. Concluí meu curso. 

E que alívio. E que força para alma. E que aprendizado lindo. E que celebração da vida. 

Medos precisam de nome, descobri ali. 

E caos se resolvem estando em posição box por 3 segundos – no caso da vida, basta descobrir a posição mais harmônica e alinhada que pode haver internamente para atravessarmos esses momentos de pico e desordens da emoção ou das situações. 

Sabedorias pelas quais sou imensamente grata ao meu curso de paraquedismo, a todas as belezas e forças que ele trouxe para minha vida. 

Não sinto mais nenhum chamado do meu coração para fazer saltos. E claro, se ele chamar novamente, eu vou. Vou confiando plenamente de que aquilo que se ilumina no horizonte e no coração sempre tem algo de muito valioso para nos ensinar. Feliz, grata, coração abastecido. 

Paula Quintão

16 de outubro de 2016

Aqui meus outros textos sobre o Paraquedismo:

Quando Eu Salto Pela Porta do Avião a 12 mil Pés. 

Nas Asas do Paraquedas. Sobre Experiências de Autoconhecimento

Meu Curso de Paraquedismo, Meu Curso de Autoconhecimento

assine_newsletterb

banner_novoeu

4 Comments

  1. Nuno Arcanjo

    …incrível como, em pouco tempo, saiu um texto tÃO profundo! (a sensação é de que encontrou sua “Box position” para escrever no meio do caos). Em admirAção e fluxo…

  2. Ângela Zilio Manfroi

    Muito profundo! Eu me emocionei, chorei e por fim vibrei! Encontrei o nome de um medo! Parabéns pela maneira sensível com que compartilha teus caminhos e descobertas! Gratidão!

  3. Milleni Coelho

    Oi Paula tudo bem? Eu me encontrei neste seu texto.
    Eu já realizei 2 saltos tandem e agora estou super ansiosa para fazer o curso, desde o primeiro contato com o parequedismo no primeiro salto já tive a certeza de que quero ir mais longe no esporte.
    Ao ler este seu texto identifiquei muito de mim, fique arrepiada em alguns pontos e quase cheguei a passar mal. Com isso tive a certeza de que vou primeiro precisar dar nomes aos meus medos antes de inciar o curso, se não corro o risco de não conseguir terminá-lo.
    Obrigada pelo seu relato.

    Abraços.
    Milleni Coelho

Deixe um comentário para Ângela Zilio Manfroi Cancelar resposta