QUANDO JÁ NÃO SOMOS MAIS OS MESMOS

Destino: Monte Roraima. Nós, 11 estreantes acompanhados por três guias e uma equipe de indígenas. Programação: 3 dias de longas caminhadas até o topo, 3 dias no topo,  2 dias de volta.

Desconhecidos, nos olhávamos com atenção, ouvíamos nossas histórias tão diferentes e sentíamos as limitações e a força do nosso físico a cada passo, a cada curva, a cada obstáculo. Reunidos, contávamos o que sentíamos, apreciávamos a vista, desabafávamos sobre o cansaço, confessávamos nossa satisfação. Pelo caminho, sorríamos uns para os outros, perguntávamos sobre nossas dores e incômodos, oferecíamos nossa água e ombro, estendiámos a mão quando a subida era dura demais. Unidos, fomos indivíduos integrais, podendo nos mostrar por inteiro; unidos, fomos nós e nos amamos imensamente.

 

A vida simples nos enchia de satisfação. Dormindo em barracas forradas com nossos isolantes térmicos, as dores no corpo eram compartilhadas na manhã seguinte em torno da mesa do café da manhã – mesa que em momentos eram nossos próprios joelhos ou uma pedra bem colocada pela natureza. Comíamos o que nos era carinhosamente oferecido, preparado a muitas mãos pelos indígenas, e apreciávamos o café ralo, o macarrão frio, o arroz agrupado e o bom tempero que deixava tudo perfeito. Como poderia ser melhor?

Fomos questionados por nós mesmo sobre os valores que carregamos. Fomos de um jeito e voltamos de outro. Fomos numa turma de onze e voltamos como “nós. Nós, agora outros, voltamos renovados. Fomos dor e prazer, fomos dúvida e paz, fomos cansaço e contemplação. Fomos para sempre mudados.

Ver o belo, lá de cima, do alto do Monte, em seu cume, onde um mundo de perfeição que mistura o verde, as curvas, o caminho, as nuvens, o brilho do olhar, o abraço da vida, não é só ver o belo. É ver todo o caminho de dificuldade que fizemos até chegar ali, é ver nossa história, é ver integralmente o que somos e o que esperamos da nossa maravilhosa e preciosa vida.

A mudança desce da montanha conosco. Deixamos um pedaço de nós, arrancado à força pelo caminho de muitos quilômetros, e trouxemos outro pedaço, depositado em nosso ser mais íntimo com toda delicadeza pelos ares de infinita beleza, encanto e pureza da montanha.

 

 

9 Comments

  1. Silas Couto

    A cada momento que passa eu me sinto mais certo de que não sei que experiência é essa. E, no entanto, se enraíza o desejo e passar pela experiência. É um longo caminho, no entanto, para que tal coisa aconteça. Se bem que, recentemente, lembrei de recursos com os quais eu nem contava mais, mas que podem vir a calhar.

    Se bem que no fundo as vezes me questiono sobre a origem das coisas. Como o tal modo apaixonado de ser que você vê em mim, mas que geralmente só se manifesta mesmo quando você está por perto. Quer dizer, até que ponto poderíamos dizer que é o seu olhar que dá boa parte da beleza das experiências?

    Agora já estou viajando. Li mais sobre essa sua viagem e meu fascínio pela experiência continua. Um dia!!

  2. Luiz Carlos Modesto

    Paula, a sua descrição da experiência do Roraima me emociona pela espontaneidade que seu texto transmite. A viagem, com certeza, marcou a todos, como só uma vivência de superação de limites pode fazer. Noutro dia, alguém lembrou do ditado romano “mens sana in corpore sano”. O Roraima foi isso, um experiência completa, no sentido de ter mobilizado corpo e alma de todos, e ter criado uma consciência de grupo, entre pessoas de locais, idades e experiências totalmente distintas.
    É um presente raro (de Macunaima?), podermos viver e compartilhar deste modo.

  3. Léo

    Puxa Paula muitos sentimentos nestas palavras Parabéns foram frases muito bonitas, e com certeza ditas de coração. Sónão entendi uma coisa: como você tirou as fotos, indo um pouco além, como tirou as fotos com sua máquina (rsrs) ? Lindas.
    Abraço

    1. Paula Quintão

      Léo, a foto em que eu apareço é de autoria do Leo guia; e sim, meu coração está muito falante desde que voltei do Roraima. Sinto saudades! Obrigada por esse comentário e o que mandou por email. Um grande abraço!

  4. Vlad S Junior

    Oi Paula! Realmente foram dias mágicos. E o legal é que a magica não acabou após o espetáculo, o que vimos e sentimos continua nos transformando um pouco, servindo de referencia, e influenciando nossos passos muitas vezes sem perceber. Só sei que estar na montanha foi bom demais, assim como conhecer todos vocês.

    Teu texto é lindo! E me deu muita saudade de tudo aquilo!

  5. Magno - Roraima Adventures

    Nossa…
    Eu que tantas vezes já estive lá, de maneiras tão diversas, com pessoas tão diferentes, em épocas tão singulares, e sempre com experiências ímpares, quando vejo tudo o que vc escreve, Paula, fico pensando: preciso voltar, essas 73x vezes ainda foram poucas.
    Preciso voltar, e de preferência na companhia de pessoas tão especiais como vocês…
    Na volta desse grupo, fiquei devendo o meu abraço, pois eu não estava em B. Vista, mas me conforta o coração saber que todas as melhores energias foram distribuídas entre vocês.
    Um carinho cheio de afeto a todos!
    Até breve!
    Magno

    1. Paula Quintão

      Querido Magno, seria um prazer ter sua companhia numa próxima subida ao Monte, momento de tanta rendição, contemplação, adoração da vida e da magnitude do universo, tão perfeito. Um grande abraço e obrigada por todo o suporte que sua agência nos deu, foram impecáveis.

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