NAS ASAS DO PARAQUEDAS sobre experiências de autoconhecimento

Na porta do avião, paralisada, eu olhava o mundo lá embaixo e não consegui fazer meu salto. Meu instrutor de paraquedismo se sentou ao meu lado, tentou me mostrar que estava tudo bem e que eu conseguiria sim saltar, mas eu não consegui. Fiquei agachada como uma criança que tenta entender seus medos e aquele foi um dia divisor de águas na minha vida. Não só aquele salto não concluído, mas todo o meu curso de paraquedismo, um curso de autoconhecimento.

Em 2013, estando em Manaus, fiz meu curso de paraquedismo. O curso é composto por 8 saltos e o objetivo final é que você possa sair da aeronave independente com seu próprio paraquedas, pronto para viver a linda experiência de ver seus pés balançando soltos sobre uma cidade bem pequenina lá embaixo.

É mesmo divina a experiência do salto e quando iniciei o curso sentia uma grande euforia pelo que estava por vir, pelo que eu desvendaria sobre mim mesma, sobre meus medos e por trás deles, minha coragem. Algo me dizia que aquela experiência guardava algo muito revelador.

Foram 6 meses de exploração profunda da minha alma, muito profunda principalmente porque eu estava em situações muito diferentes daquelas do dia a dia, em que meus sentimentos ficavam mais vivos, mais intensos, mais expostos. A porta do avião me expunha, literalmente, a um abismo e me ensinou detalhes o que significa zona de conforto e como é difícil sair dela.

“Por que era tão difícil sair por aquela porta?”

No princípio, posso dizer nos três primeiros saltos, algo dentro de mim estava num estado de mais tranquilidade. Mas a medida que o curso avançava, foi se revelando um medo absurdo de sair por aquela porta de avião. Um medo que foi aumentando gradativamente.

Quando cheguei no nível 4 do curso, bem no meu momento de salto, eu não saltei. Tal como uma criança pequena que pede ajuda a alguém que confia muito, eu ajoelhei na porta da aeronave, olhei lá embaixo, e não consegui encontrar forças para saltar.

“Não quero ir, Alisson”, disse eu meu instrutor que era como um anjo.

“Não quer mesmo tentar, Paula?”.

“Não consigo”.

E então voltamos dentro da aeronave, eu em profunda tristeza, sem saber conectar os pontos que me deixavam com tanto medo.

No dia seguinte, consegui saltar. E quando eu conseguia, era uma felicidade muito grande. Mas mesmo quando eu conseguia, ainda assim era muito difícil identificar o que me fazia de fato conseguir.

Passei a me questionar se era mesmo para concluir meu curso, e eu sabia que era. Toda vez que pensava em parar, sentia uma frustração muito grande, como se uma janela ficasse em aberto, não concluída em minha vida. Eu tinha que terminar o curso.

Levei 6 meses até juntar os pontos e entender porque eu estava reagindo daquela forma. “Que medo é esse, meu-deus-do-céu?”

Era sábado, segui para meu sexto salto e dessa vez eu não estava com meu instrutor, mas com um outro. O avião decolou e eu, como sempre, estava nervosa. O plano era, pela primeira vez, saltar sem que o instrutor estivesse segurando no meu macacão, e isso me deixava numa situação de vulnerabilidade ainda maior na hora da saída da aeronave.

Pois nesse dia, quando foi a hora de sair, eu implorei aquele instrutor que me segurasse, que não me deixasse sozinha. Eu implorei que ele fizesse um salto diferente do que combinamos porque eu não tinha estrutura emocional para um salto “solta assim nos ares”.

Depois de pousar, tudo o que eu fazia era chorar. Meu curso já se arrastava por 6 meses. Meus 8 saltos de curso já havia se transformado em 10, reprovada que fui duas vezes e ainda faltavam três outros saltos para concluir todo o movimento.

Chorava e chorava com a sensação de estar diante de um desafio grande demais pra mim. Chorei com os meninos na área. Chorei com o companheiro da época. Chorei em casa. Naquela noite dormi sozinha e tudo o que fiz, a madrugada toda, foi explorar e explorar. A divisória da porta da sala para a varanda tinha um tamanho que me permitia simular estar na aeronave, e eu me sentei ali e treinei o momento auge em que levanto do meu lugar no fundo do avião, sentada entre outros paraquedistas, e sigo em direção à porta, me posiciono, e me lanço aos céus. Simulei como 30, 40, 50 vezes dentro da minha imaginação.

Simulava o barulho da aeronave, o estar sentada entre os outros paraquedistas, o levantar e ir até a saída. Meu coração muito angustiado, muito cheio de medo, muito ansioso até mesmo em casa. “Que medo é esse, meu-deus-do-céu?”. Era a pergunta que eu fazia e não encontrava as respostas. Já tinha eliminado os medos básicos, que era medo de altura e medo de o paraquedas não abrir, ou algo técnico dar problema. Eu confiava totalmente nos procedimentos do paraquedismo, e não tinha nenhum medo de altura. Então, o que era?

Naquele instante, simulando tantas e tantas vezes meu salto, entre lágrimas e lágrimas, eu pude conectar pontos muitos profundos sobre meu medo de que ao sair da aeronave eu pudesse entrar num caos tão grande, girando e girando, virando meu corpo de um lado por outro, que seria impossível me estabilizar numa queda livre e comandar meu paraquedas em segurança. Era esse o meu medo. Um medo que não servia só para aquela situação, mas para todas as situações da minha vida em que acredito ser impossível colocar as coisas no eixo depois que entram em caos.

Acontece que no paraquedismo basta fazemos a posição box, que treinamos muitas e muitas vezes, por 3 ou 4 segundos e voilá! você está na posição estável. Era simples assim, e agora eu podia, conscientemente, me dizer isso, pois havia entendido a essência do problema.

Foi como gritar “eureka!”

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Aí está a mágica do autoconhecimento. Entendendo a parte, é possível entender o todo. Conectando pontos dentro de uma situação específica, você consegue estender para conectar pontos em outras áreas da sua vida. A parte tem elementos do todo e o todo é reflexo das partes. Aquelas descobertas não traziam luz somente para o curso de paraquedismo, mas para todas as situações da minha vida em que aquele padrão se repetia.

8h da manhã, antes mesmo que qualquer instrutor estivesse na área de saltos, eu estava lá, sentada no banco aguardando pois naquele dia eu faria meus 3 saltos e concluiria meu curso. Eu estava com aquela sensação “faca nos dentes”… aquela sensação “é agora!”.

E assim foi. Naquele 6 de outubro de 2013, num estado de glória interior, concluí meu curso de paraquedismo. Concluí meu curso de autoconhecimento intensivo. E foi um dia dos mais felizes e triunfantes.

Hoje, todas as experiências da minha vida são instrumentos para me conhecer melhor. Uso tudo, como diz o mestre espiritual Prem Baba, “como material de escola”. Desde uma viagem maravilhosa ao deserto do Atacama, desde os 800km de Caminho de Santiago, desde o ar rarefeito da Trilha Inca, até uma ida ao supermercado que fica a 5 minutos da minha casa.

Todas as experiências revelam algo de nós. Contam uma história sobre quem somos, sobre o que sentimos, sobre o que nos incomoda, sobre o que é sensível, sobre o que dói e o que alegra. E eu uso todos os momentos, a cada dia com mais atenção e profundidade, para me descobrir nas minhas reações, no “porquê” estou sentindo o que estou sentindo. É como ser uma exploradora 24 horas, 7 dias por semana. Uma jornada de exploração que nos traz entendimento e graças a esse entendimento, mais consciência no momento presente.

A vivência do autoconhecimento, em algum nível, precisa ser intencional. Você tem que enviar um comando que deseja usar os elementos da sua vida, das suas experiências, para se descobrir, para se explorar, para saber mais sobre você mesmo, suas reações, seus sentimentos, sua essência.

É possível passar toda uma vida de muitas experiências…. viagens, saltos de paraquedas, mergulhos, vida em família, vida com os amigos… e ainda assim não avançar nem um passo em seu autoconhecimento. A questão não é viver experiências, é usar cada uma delas como um instrumento para se conhecer, se descobrir, e assim transformar a sua própria vida. Descobertas mágicas nos reservam nessa vida de exploradores de nós mesmos e mudanças profundas em nossas vidas podem acontecer graças a esses pontos conectados, graças a essas luzes sobre as sombras, graças a esse amadurecimento sobre quem somos em essência.

Paula Quintão

24 de abril de 2016

 

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0 Comments

  1. Rico Oliveira

    Mais um texto formidável que nos leva ao cantinho reservado de nosso autoconhecimento e nos faz conectar com o melhor que existe guardado dentro de nós mesmos. Obrigado, Paula.

  2. Suzy Lapa

    Maravilhoso o texto Paula, e destaco aqui uma parte que eu mesma já havia pensado sobre essa jornada do autoconhecimento e que você tão bem descreveu aqui: “É possível passar toda uma vida de muitas experiências…. viagens, saltos de paraquedas, mergulhos, vida em família, vida com os amigos… e ainda assim não avançar nem um passo em seu autoconhecimento”. O que penso é que sou muito agraciada por ter alcançado essa percepção, a da necessidade e da importância desse processo super necessário, mas que tão poucas pessoas no mundo se permitem: o autoconhecimento. Gratidão pelo texto inspirador.

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