O DIPLOMA DO DOUTORADO sobre não ser possível hierarquizar conhecimentos

Há alguns dias chegou meu diploma do doutorado. Meu doutorado em sustentabilidade que fiz na Universidade do Amazonas, terminei em dezembro de 2014.

Deixei que o diploma ficasse uns dias sobre a minha mesa, bem ao meu lado,  para que eu pudesse examinar melhor meus sentimentos sobre ele e suas bordas douradas elegantes. 

Durante o doutorado refleti muito sobre o valor exagerado que as titulações recebem. Naquela época, mais do que refletir, eu me incomodava. Percebia esse grande gesto de congratulações quando você diz que terminou seu doutoramento, um orgulho no ar, um respeito por esse feito. E um gesto diferente quando eu dizia que tinha acabado de voltar de uma expedição a terras indígenas, ou de uma viagem a São Gabriel da Cachoeira, extremo norte do Amazonas. 

Naquela época de tantos incômodos minha vontade era terminar o doutorado só para poder dizer a quem quisesse escutar que se você quer realmente aprender algo, não faça um doutorado. Hoje eu não diria isso, meu coração já se acalmou e conseguiu colocar cada coisa em seu lugar. 

Por isso deixei o diploma sobre a mesa, para ouvir com ouvidos atentos qual mensagem o doutorado me trouxe. E ela tem a ver com a impossibilidade de hierarquizar conhecimentos, tem a ver com nos libertarmos da crença de que alguns conhecimentos são “maiores e melhores” do que os outros. 

Conhecimento não se hierarquiza. Conhecimento é conhecimento.

Não há como hierarquizar o que você aprende em 4 anos de doutorado ou em 3 expedições ao Monte Roraima. Cada conhecimento é único e faz maravilhas, soma luzes para o seu caminho, faz ver mais e além. 

Esse é o valor do conhecimento: primeiro te fazer muito humilde por ser evidente que você ainda sabe tão pouco das maravilhas reservadas pelo universo, segundo te fazer perceber que seu mundo se expande a cada novo elemento que você soma à sua bagagem de saberes.

Meu diploma de doutorado ecoa essa mensagem, que todas as experiências da nossa vida são fonte de aprendizado e cada uma delas trará bagagens únicas capazes de transformar seu olhar e sua percepção de você, dos outros e do mundo.  

Não vou pendurar o diploma de doutora na parede, vai pra minha pasta junto com as fotos de montanhas e trilhas que percorri, com os tickets de voos, de trens, de metros mundo afora, com os passaportes carimbados, a certidão de nascimento da Clara, os contratos de aluguel dos lugares que morei nos últimos 10 anos, o diploma do mestrado e da graduação, os anotações das atividades da minha empresa feitas nos últimos anos,  a Compostela que recebi a chegar a Santiago, a caderneta de registro dos meus saltos de paraquedas e a caderneta de registro dos meus mergulhos.

Tudo o que aprendi se soma ao que eu sou. 

O que os indígenas me ensinaram enquanto eu fazia minhas expedições ao Monte Roraima. O que aprendi com o ar rarefeito da Trilha Inca e Machu Picchu. Ser mãe da Clara. Morar em Manauas por 5 anos. Capotar o carro e sobrevivermos eu e minha filha. Os 800km e 36 dias de Caminho de Santiago. Meditar. Fazer compostagem com minhocas. Viver os ciclos dos relacionamentos amorosos. Mergulhar. Saltar de paraquedas. Cozinhar pra minha filha. Fazer iorgute de kefir. Sentar na praça e observar quem passa. Dormir no lago Titicaca em casas de Uros. Ir ao retiro de silêncio.  

Conhecimento é conhecimento, não há hierarquias aqui.

Eu honro meu doutorado. Sou grata pelos 4 anos de estudo, de pesquisa, de pessoas de luz que conheci. Honro e sou grata como sou por cada outro conhecimento que a vida trouxe.  Conhecimento é conhecimento. Não há hierarquia aqui. 

Paula Quintão

07 de agosto de 2016

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6 Comments

  1. Renata Ninello

    Luz em meu caminho, palavras que ecoam sempre na alma… Adquirir a percepção de que não há hierarquia nos nossos conhecimentos e que todos eles nos ajudam a compor quem somos é mesmo libertador e de uma enorme leveza. Gratidão por essa linda reflexão, Paula querida!!

  2. Pia Queiroz

    Chorei de emoção ao ler isso. É exatamente assim que penso e o que quero dizer quando afirmo que cada experiência que tive depois do diploma de jornalista foi outra faculdade: o processo de trainee e os sete anos trabalhando num banco de desenvolvimento no Nordeste (fora do jornalismo), os oito anos no trabalho atual (o primeiro na área de formação depois de graduada), as viagens que fiz pelo sertão, muitas delas sozinha, em que produzi milhares de fotografias, e cada pessoa que conheço, que é sempre uma lição, um universo inteiro a ser aprendido. Adoro estudar e acho que se tivesse ficado na vida acadêmica seria feliz, mas confesso que quando me pego pensando que amigos da época de faculdade já são doutores e eu ainda com minha graduaçãozinha, logo corrijo o pensamento e rio de alegria: mas eles não percorreram os meus caminhos… Obrigada, minha linda, pela reflexão!

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