Há momentos que o mundo desmorona lá fora. Fiquei observando a parede do vizinho se desconstruindo entre uma marretada e outra. As marretadas me lembraram a força das ondas.
A suavidade não é típica da natureza quando em busca de harmonizar. De onde vem a ilusão de que na sua vida nada vai se transformar e seu teto de vidro ficará intocado se absolutamente tudo ao seu redor mostra exatamente o contrário? A natureza é do fazer o que tem que ser feito. É implacável na manutenção das trocas equilibradas.
O planeta em seu giro sistemático e cíclico. O sol e sua permanência explosiva. As águas e seus fluxos inteligentes e norteados. Não há bem ou mal, nem certo e nem errado. Há a harmonia. Pura. Simples. Implacável. Admiro a filosofia sufista e o quanto buscam a impecabilidade entre mente, corpo e espírito a cada respiração consciente. Instante a instante, frame a frame. Alinhando. Alinhando. Alinhando.
Os sufis são mestres em impecabilidade, pois sabem que assim se encontram com Deus. E o que seria Deus senão toda essa harmonia criadora e mantenedora? O desmoronar lá fora nada mais é que a dança harmônica divina ajustando as arestas, aparando as pontas, retomando o alinhamento.
Do desmoronar fora, um caminho para enxergar o desmoronar dentro. Igualmente poético. Entre escombros, eu gosto de me sentar, por ali bebo meu chá gentilmente adoçado, eu observo, eu respiro na minha humilde e dedicada flexibilidade, eu percebo. Percebo a obra de arte, sou daquelas que enxergam na desconstrução a poesia.
E agradeço pelos aprendizados que vêm de dentro e fora. As desconstruções que o vizinho, com a inevitável prestatividade, me permite ver e as desconstruções tantas que se passam em mim marcando os ciclos e os tempos da natureza que sou. “Lapidando, Paula, assim alinhamos, assim expandimos”. Invernal, eu me sento entre os escombros, o frio por fora, o calor por dentro. E quando é o momento eu sigo.
Sigo. De passo em passo eu desvendo um mundo dentro e fora de mim.
Paula Quintão, 12 de julho de 2019