Quantas e quantas vezes não tivemos grandes vontades de fazer algo em nossas vidas e deixamos de fazer com medo do que vão pensar de nós? Fazer escolhas é necessariamente lidar com a reação das outras pessoas. Reações de contentamento, em que você ganha um tapinha nas costas e um parabéns. Ou reações de descontentamento, em que você ganha um lugar especial nas rodas de conversa e uma crítica, geralmente velada.
As duas possibilidades estão sempre no horizonte.
Mesmo velada, a crítica que vem do outro e o medo de virar tema em alguma roda de conversa nos apavora dia e noite. Não queremos que falem mal de nós. E na busca por evitar que falem mal de nós, sequer percebemos que estamos entrando na maior de todas as prisões de nossas vidas.
Foi com o Gaiarsa, em seus livros de psiquiatria, que aprendi sobre o tratado geral da fofoca. Ele diz que a maior polícia que existe no mundo é o olho do vizinho, é o julgamento do outro sobre você. Em tempos de redes sociais, o “vizinho” é vizinho em qualquer lugar do mundo. E é mesmo fantástica essa conclusão. O questionamento “o que vão pensar sobre mim?” e suas variáveis… “o que vão falar sobre mim?” ou “o que vão achar disso?” ou “vão pensar que estou louca” rege nossas vidas com mais força do que gostaríamos de admitir.
É fácil perceber esse nosso medo… Olhe para sua vida agora e dê uma boa analisada… tem aí algum sonho ou vontade que você não realizou por causa do que os outros vão pensar?
Os casos podem ser dos mais complexos aos mais simples. Mas no fundo de tudo o mesmo medo e o mesmo dilema “o que vão pensar sobre mim?”
O casamento pode estar terrível, vocês podem estar muito infelizes… mas terminar o relacionamento? “O que vão pensar de mim?”
Você fez a faculdade quase inteira e agora tem certeza que não quer trabalhar naquela área, não tem o menor dom para a coisa, não se interessa pelo assunto…. mas largar a faculdade? “O que vão pensar de mim?”
Seu amigo te convida para almoçar e você adoraria passar aquela uma hora conversando com ele… mas se forem só vocês dois podem achar que estão tendo um caso. “O que vão pensar de mim?”
Você tem uma vontade enorme de correr pelo parque, rolar na grama, abraçar a árvore…. mas que comportamento de louca. “O que vão pensar de mim?”
A lista é infinita.
Somos muito criativos na tentativa de evitar que pensem mal de nós, que falem mal de nós, que nos julguem.
Quando eu fiquei grávida aos 14 anos e tive que frequentar minha escola de freira eu precisei fazer um grande exercício para sobreviver ao terror que era imaginar toda a escola falando sobre mim. As pessoas podem ser muito duras, principalmente as mais próximas, que é quem damos mais ouvido. E naquela época, para minha própria sobrevivência emocional, todos os dias quando atravessava o pátio entre centenas de alunos eu pensava comigo mesma “essas pessoas não estão construindo a sua vida, elas não pagam suas contas, não vão ajudar a cuidar do bebe, não sabem a história que te trouxe até aqui… siga, Paula”.
Era quase uma conversa mantra para me blindar.
Foi um caos interno até chegar nessa “conversa mantra” para me blindar. Passei por momentos de muita dor antes de contar para meus pais sobre a gravidez, imaginando o sofrimento deles com tudo o que iam falar sobre mim e sobre eles. Parecia até melhor eu me matar do que ter que lidar com as reações que viriam da minha gravidez. Considerei essa possibilidade por dias. Quando meus pais souberam e me apoiaram, consegui me fortalecer e avançar para o mantra, meus pais foram seres de amor, minha irmã foi um ser de amor e tive anjos como a minha médica que era também puro amor. Mas é claro que a polícia estava lá todo o tempo. Meus avós, pais da minha mãe, nem quiseram que eu passasse o natal lá. “É muita vergonha”. Uma tia deu ideia de eu ir para uma cidade remota de Minas ter meu bebê por lá e voltar como se nada tivesse acontecido.
Todo esse caos e esse “desamor” por causa do que o outro vai pensar… da vergonha.
O que é a vergonha senão o medo do que o outro vai pensar?
Aquela conversa mantra de tempos de colégio eu precisei ter comigo mesma muitas outras vezes. Tantas e tantas vezes eu preciso me lembrar que a minha vida não pode ser regida pelas forças do que “vão falar de mim” ou do que “vão pensar sobre mim”, porque mesmo que eu queira eu não posso controlar o julgamento do outro.
Todo o problema está na criação de expectativa uns sobre a vida dos outros.
Talvez por nossas vidas serem ainda regidas pelas rotinas diárias, falta um “quê” de elemento extraordinário, e isso nos faz ocupar muitas e muitas horas falando sobre as pessoas ao nosso redor. Parece que estamos diante de novelas da vida real. Ou o clássico da TV Globo, “Você Decide”, um programa que tinha dois finais possíveis e você podia ligar para a emissora e votar no final que você preferia. Muito engraçado porque ficávamos na torcida para o nosso final ser escolhido. É mais ou menos assim a reação das pessoas à sua vida: elas criam expectativas sobre o que querem para você…. querem que o seu casamento dure para sempre… que você tenha filhos… que você viaje o mundo… que você tenha um belo e bem sucedido emprego… que você seja um médico lindo vestido de branco… a criatividade é enorme.
Mas se olharmos a fundo podemos ver o absurdo de tudo isso.
Por que alguém faria escolhas para a sua vida se só você está na sua própria pele sentindo o que sente, vivendo o que vive, aturando o que atura, suportando o que suporta, superando o que supera?
O outro nunca vai ter dimensão de todo o contexto em que você está inserido, nunca vai conseguir considerar todas as variáveis que só você tem acesso para a tomada de decisão.
Isso só acontece porque como somos todos regidos pela polícia que é o julgamento do outro, nos sentimos também no direito de fazer o mesmo. Ser o juiz é como o bônus por tanto ônus causado pelos seus julgadores.
Quantos e quantos casamentos não teriam terminado e os casais teriam oportunidade de ter vidas mais felizes se não fosse o medo “do que vão dizer de mim?”. Quantos e quantos casos de aborto não teriam sido evitados se não fosse o pavor do julgamento social? Quantos e quantos suicídios não teriam acontecido? Quantos e quantos bons amigos não teriam almoçado juntos?
Há discursos que auxiliam o julgamento social. O discurso da persistência – você nem quer mais fazer aquilo e fica seguindo em frente porque tem que persistir, persistir, persistir. O discurso do Pequeno Príncipe com aquela citação terrível de que somos eternamente responsáveis pelo que cativamos. Que responsabilidade é essa que nem pedi? O outro começa a gostar de você e você é quem fica responsável por ele?
Meus dois casamentos completaram seus ciclos. Início, meio e fim. Histórias e rumos diferentes, experiências diferentes, mas que mexeram profundamente comigo quando eu precisei lidar com a reação das pessoas à minha escolha. Eu sabia que precisava ser honesta com meus sentimentos, mas o peso do julgamento social pode ser tão forte que o risco é nos pautar por ele… corremos o risco de acreditar no que falam de nós ao invés de acreditar no que sabemos que somos.
Nossa libertação está em entender que a polícia do “vizinho” estará sempre em campo, entender que o julgamento social é um fato, compreender que mesmo que você ande sempre na linha ainda assim quando colocar o pé fora do traçado haverá alguém lá para apontar o dedo em sua direção… mas que nós temos a opção de pautar ou não nossa vida pelo que vão dizer ou o que vão pensar. Temos a opção de viver a vida para nós mesmos, fazendo escolhas que são fiéis ao que sentimos, ou fazer escolhas para agradar os outros – sabendo que mesmo assim podemos não agradar.
Nossa libertação está na consciência de que “eu sou o que eu sou” e não “o que dizem que eu sou“.
Você pode fazer essa escolha a qualquer momento.
Mesmo desafiadora, principalmente no início, a vida baseada em escolhas que são fiéis ao que sentimos vale a pena. É a vida plena. É uma vida honesta com nós mesmos e por isso honesta com o outro. É uma vida sem fingimento, sem maquiagem, sem teatro, sem “aparências”. É uma vida que fazemos o que realmente queremos fazer, que estamos onde realmente sentimos que é para estar. É a vida que um dia eu escolhi viver.
Paula Quintão
29 de novembro de 2015
Shoow.! 🙂
O pior é estar tão revestido pelas expectativas alheias que “o que dizem que eu sou” é maior do que “eu sou o que sou” e acabar por não se saber realmente quais são as reais escolhas.
O pior é estar tão revestido pelas expectativas alheias que “o que dizem que eu sou” passa a ser maior do que “eu sou o que sou”, por não se saber realmente quais são as reais escolhas.
Lindo! Tão bom conseguir aos poucos deixar tudo isso para trás… olhar para quem realmente somos e o que é melhor para nós… lição de vida! <3 <3 <3