O SILÊNCIO QUE NÃO QUER CALAR

“Não pode ser tão difícil assim”, eu disse a mim mesma quando ingressei num desafio de silêncio diário criado por Ana Paula Barros assim que ela comentou sobre ele em uma de nossas sessões de consultoria.

Minha história inclui práticas de meditação diária, limpeza dos meus pontos de energia, reiki, leitura de aura. E olhando para essa história, tudo o que eu dizia a mim mesma quando pensava em fazer 60 minutos de silêncio por dia era que “não seria tão difícil assim”.

O desafio estava marcado para iniciar em primeiro de abril. E o que fiz, dias antes, foi negociar comigo mesma alguns ajustes na minha agenda diária. Mudei alguns afazeres de lugar, o que foi fácil pois há três anos tenho meu próprio negócio e consigo administrar meu tempo como eu gostaria. Ou seja, não seria o tempo que iria me impedir de fazer meus momentos de silêncio.

Animada, cheguei ao primeiro de abril.

meditando no Atacama

E então eu me vi em dia de viagem, fazendo meu silêncio quase meia noite antes de dormir.

“Tudo bem, Paula”, falei comigo mesma, “está assim um pouco fora do esquema porque você está viajando”. No dia seguinte eu também estava viajando e precisei fazer meu silêncio antes de dormir. Foi assim por 3 ou 4 dias e “tudo bem”. Meus 60 minutos eram longos e eu sentia que eram assim tão looooongos porque estava cansada com tanto movimento e demandas de encontro vindas da viagem.

Cheguei em casa e o mesmo entusiasmo de primeiro de abril estava vivo em mim. “Agora tudo está perfeito”, me animei, tinha tempo, espaço, meu ambiente delicioso, meus incensos, minhas velas, meus mantras, meu altar, o aconchego da minha casa.

E então, desde lá, entrei num dos processos mais intensos da minha vida.

60 minutos de silêncio se transformaram em in-ter-mi-ná-veis 60 minutos de silêncio.

Todo o meu dia caminha numa velocidade incrível, muitos e muitos afazeres, agenda toda preenchida e o tempo passando na velocidade da luz. Mas é só eu iniciar meus 60 minutos de silêncio que o tempo começa a passar em outra dimensão.

Ele se arrasta. Um minuto não corresponde a um minuto… um minuto parecem dez minutos, um minuto parece uma eternidade.

E quando chego aos 30 minutos, ou seja, ao meio do caminho, não conseguia definir se estou em alívio ou desespero.

E hoje, 30 dias depois dessa imersão que pretende ser de 80 dias, algo em mim tem se transformado, como se uma parede fosse removida.

Não é o silêncio que me acelera, não é o silêncio que me angustia, não é o silêncio que faz os minutos se tornarem tão intermináveis. O silêncio é o silêncio. O que faz tudo estar tão tumultuado, tão inquieto, tão angustiado, é a mente pensante que quer sempre estar no centro das atenções, que quer sempre falar mais alto, que quer sempre me ver a executar tarefas e mais tarefas, como se ficar em silêncio fosse morrer um pouco.

Mas quem morre durante o silêncio, não SOU EU, não é minha essência… essa, ao contrário, ganha mais vida, ganha mais força, ganha, finalmente, voz. Quem morre um pouquinho durante os 60 minutos de silêncio é o comando da mente. A mente que não quer calar. A mente que quer comandar a vida que na verdade é MINHA.

Nessa busca por me silenciar profundamente, larguei o chicote que tentava calar minha mente na marra. E, com todo amor, tenho dito a ela que pode ficar calma, que pode entender que naquele instante ela não vai ser usada e que logo voltaremos a trabalhar juntas. 

Tem funcionado, cada dia um pouco mais, num vai e vem como das gangorras da infância colorida, um vai e vem que ora me brinda com descobertas profundas, ora me brinda com dores terríveis, ora me brinda com pontos de luz, ora me brinda com angústias e pressa. No meu tempo, no meu ritmo, vou descobrindo mais sobre esse silêncio que não quer se calar e encontrando verdadeiras preciosidades aqui dentro. 

Paula Quintão

28 de abril de 2016

Paula Quintão é escritora e empreendedora, doutora em sustentabilidade, mãe da Clara. Autora do livro “Para sempre um novo EU” e outros. “Cada passo, um conto. E de passo em passo eu percorro o mundo dentro e fora de mim”. Paula Quintão (www.paulaquintao.com.br)


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8 Comments

  1. Sergio

    Também estou neste desafio, com a diferença que eu embarquei na viagem de 15 minutos.
    Desde os primeiros dias também senti que meu cérebro queria comandar a jornada.
    Pacientemente, no entanto, eu agradecia esta tentativa e voltava meus pensamentos ao silêncio.
    Estes 31 dias tem sido de um enorme aprendizado, de uma viagem ao meu interior na eterna busca de minha essência.
    Fico feliz sabendo que você, querida Paula, também trilha neste mesmo caminho.

  2. Anderson Ims

    Bem interessante este desafio.. e engraçado que me vejo sofrendo, sem dúvidas, nesta uma hora de silêncio.. e não me vejo neste momento tentando fazê-la. Mas, fiquei pensando… se é tão difícil ficar uma hora em silêncio, porque não é difícil ficar mais uma hora dormindo? Já que nas duas ficaríamos uma hora fazendo o nada. Na verdade uma hora acordado tentando fazer silenciar o pensamento é muito diferente de uma hora de sono em que a mente está mais livre do que nunca.

    1. Paula Quintão

      Anderson, é muita dor guardada aí dentro, muita sombra pedindo a vida inteira para ter um momento diante dos nossos olhos. E quando, finalmente, paramos um pouquinho para nos dedicar a isso, um mundo vem à tona. Eu te desejo muita luz em sua caminhada de silêncio, e muitas descobertas mágicas =))

  3. Rico Oliveira

    Estamos tão acostumados a não nos sentirmos, a não nos ouvirmos, a não nos entendermos diante dos barulhos do mundo. Quando saímos da caixinha e ofuscamos o barulho do dia-a-dia com a imponência do nosso silêncio, a PAZ se materializa. Isso é um presente impagável. Que saibamos aproveitar agora e sempre.

    1. Paula Quintão

      Sim, Rico, a verdade é que ir para dentro de nós em profundidade é nos libertar de um outro mundo, esse que foi criado pela nossa mente e que de fato não existe. Só assim conseguimos estar totalmente no agora, cuidado do que é essencial.

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