OS SOLAVANCOS DA VIDA E NOSSA CAPACIDADE DE REGENERAR sobre sermos água e nos esquecermos disso

Vivi em Manaus por cinco anos. Nada mal para uma mineira acostumada às coisas em seu devido lugar, bem separadas e categorizadas. Preciso admitir que fui à primeira vez em Manaus e me apaixonei pelo caos que meus olhos enxergaram, pelo calor que me fazia quase perder a mim mesma, pelos rios que mais pareciam mar, pelo novo que fazia minha alma vibrar em algum lugar que nunca antes tinha vibrado. Fiz as malas e rumamos, eu e minha filha, ela em seus 11 anos, para a cidade plantada no meio da floresta.

Foram anos de muitos aprendizados, de lá renasci uma nova Paula. A cidade e a Amazônia ao redor me ensinaram lições das mais fortes e valiosas, preencheram minha mochila com preparativos para a vida, para o mundo. A cada passo eu sabia que a vida estava a me fortalecer para os passos seguintes.

Manaus não é uma cidade que nasceu de um bom planejamento. Hoje tem seus 2 milhões de habitantes e ruas estreitas para tantos carros. Há bairros de tantas ruas sem saída, há ocupações em muitos cantos. Espontânea, Manaus.  Há um tom de pessoal nos negócios, nos atendentes, no jeito de se fazer as coisas. Humana, Manaus.

Lembro de nos primeiros dias em visita à cidade achar o máximo entrar em uma loja para comprar bombons de cupuaçu e sair de lá sabendo todos os dramas pessoais da vendedora que acabou de me conhecer. Manaus é esse espontaneidade toda, esse sopro de humanidade na alma, esse caos para a mente cartesiana. E uma das mais preciosas lições que tive, entre tantas, tem a ver com o caos, com a espontaneidade e com as águas, o aprendizado de que mesmo no caos, as coisas fluem.

Fluem porque nossa natureza é mais das águas que qualquer outra coisa. Fluem porque SOMOS água.

Isso quer dizer que somos maleáveis, que somos bem mais flexíveis do que nossa mente pensante acredita, que aconteça o que acontecer, continuamos a seguir em direção ao nosso mar.

E foi exatamente em Manaus que vivi algumas das experiências mais desafiadoras da minha vida. Também os momentos mais mágicos. Meu primeiro casamento, minha separação. Meu segundo casamento, minha separação. Meu doutorado. Meu curso de paraquedismo. Minha vida de montanhista. Meu primeiro livro publicado. Meu negócio nascendo. Minha filha e eu sobrevivendo ao capotamento. Desafio e magia, lado a lado.

Quando estávamos eu e meu primeiro marido pensando se casávamos ou comprávamos uma bicicleta, eu costumava dizer que não era preciso ter medo, porque não éramos de vidro, que independente do que nos acontecesse, ainda assim não iríamos nos quebrar. Foi quando me mudei para Manaus. E sim, depois de todos esses anos vivendo muitas formas de caos dentro da minha vida e ao meu redor, percebi que nos quebramos sim, porque há uma parcela em nosso ser que não é água, é de emoções cristalizadas, é de mente engessada, é de crenças enraizadas. Essa parcela vai se batendo pelos cantos, fazendo uns arranhões, abrindo umas feridas entre relacionamentos difíceis, vidas profissionais infelizes, decepções amorosas, tristezas que nos ocorrem…. E quanto mais nos esquecemos que somos água, mais essa parte endurecida e pouco flexível se bate por aí.

Novembro passado, em uma viagem com a minha filha pela Espanha, eu caí e quebrei meu punho. Sim, nós nos quebramos. Eu olhava a minha mão totalmente fora do lugar e pensava “é mais frágil do que imaginamos”. Mas nossos ossos são incríveis e se regeneram. E eu olho hoje meu punho totalmente recuperado, uma história de cura profunda, e penso “é mais forte do que imaginamos”. 

Nossa alma e nosso corpo se ferem, sentem os solavancos da vida, sentem os desafios e as dores, aprendem com as experiências. E também se curam, também se regeneram, também se banham em suas próprias águas e nos liberam para então seguirmos em frente, nos liberaram para dizer SIM à vida exatamente como ela é.

Seguir adiante sendo água que somos, preenchendo as feridas com amor e confiança, preenchendo os caminhos com fluidez e flexibilidade, preenchendo o olhar de compreensão e aceitação por tudo ser como é. Enfim, escorremos entre as pedras, nos batemos num ou outro canto, nos regeneramos e seguimos a criar nosso caminho e em direção ao mar.

Paula Quintão

04 de junho de 2017

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13 Comments

  1. Rafaela S.

    Gratidão pela oportunidade de fluir por essas doces linhas… belo texto, belíssima partilha. Um junho de muita inspiração e fluidez para todos nós, Paula!
    ??✨?

  2. Rico Oliveira

    Sim, Paula! Esta nossa parte “água” que flui, escorre e volta na forma que precisar, também nos leva a “navegar” pelos destinos que almejamos.

    E nossa autorregeneração nos certifica de que a FELICIDADE, além de um direito de todos, é também o motivo a ser perquerido insistentemente.

    Lindo texto.

    Muito Grato!

  3. Lara Lobo

    Lindo Paulinha. Que continuemos a ser água e fluir pelos rios e mares da vida. Mesmo que venham tormentas, somos como os grãos de areia, que se deixam levar para outros destinos; mas podemos também ser rochas, e aguentarmos com força as intempéries do caminho. Um forte abraço! ?❤️

  4. Ma Moreira

    Oi Paula!
    Que texto maravilhoso.
    Neste momento me vejo assim como água tendo que ser flexível, compreensiva aceitando tantas mudanças e uma perda, as quais eu não imaginava passar.
    Gratidão queridona.

  5. Tea Go

    Sim, somos água e fluímos, também somos emoções cristalizadas e realmente nos arranhamos e nos ferimos, mas ainda assim é uma pequena parcela e decidir entre viver a fluidez rumo ao mar ou se prender às feridas de nossa pequena parcela engessada, fica a critério de cada um, mas aqui vai uma dica, água flui melhor do que pedra.

  6. Douglas

    Parabéns pelo texto. Pensando em água reflito como podemos definir nosso caminho e mesmo preso numa represa ou num lago podemos evaporar e nascer com a chuca novamente. Continuemos nadando parabéns. Douglas o mais legal é que temos livre arbítrio de entrar na canoa para seguir adiante e percalços como pequenos furos mostram que devemos também fazer nossa parte

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