QUANDO TERMINEI O DOUTORADO sobre partes do caminho não tão animadoras

No final de 2014 eu estava quase a completar quatro anos de período de doutorado. Iniciei em 2011 na Universidade do Amazonas e meu prazo era até o início de 2015. Acontece que minha filha vivia um momento de depressão e eu sentia que precisava fazer alguma coisa urgentemente. Minha decisão foi que eu precisava tirá-la da escola e juntas passaríamos um período viajando em uma espécie de mochilão pela Europa. Para isso eu precisava terminar o doutorado em dezembro e isso diminuiu meu prazo e aumentou minha pressão emocional.

De fato era um desafio imaginar aquele encerramento porque ao imaginá-lo, logicamente, eu me lembrava que precisava terminar a bendita da minha tese. Eu tinha uns estudos avançados, leituras feitas e pesquisas de campo nas comunidades indígenas, mas eram avanços tímidos. E só de imaginar reunir tudo aquilo e ainda enfrentar as demandas burocráticas de comitê de ética e outras tantas, eu me esvaziava, ficava exausta.

Duas emoções passavam por mim a todo momento, a de que a tese ficaria muito ruim e a de que eu não teria forças para escrever tudo o que precisava escrever.

Nessas horas a figura do orientador pode fazer diferença e por sorte eu tinha uma orientadora muito afetuosa, que só de ser afetuosa já cumpria seu papel, pois me dava a sensação que mesmo aos trancos e barrancos a coisa daria certo.

Então me deparei com o inevitável: sentar e escrever, escrever, escrever, escrever e escrever longamente sobre um assunto que eu amava mas que não tinha vontade de escrever em formato de tese.

A coisa não fluía. Só de me sentar com meus livros, meu computador, minhas anotação eu me sentia cansada, estressada, dispersa e me lembrava de uma infinitude de coisas que eu precisava urgentemente fazer naquele instante, como lavar uma louça ou então telefonar para os meus pais.

Meu mal estar emocional só aumentava e meu prazo diminuía. Pressão. Ansiedade.

Parecia que realmente eu não ia conseguir terminar meu doutorado, principalmente porque eu não estava percebendo nenhum tipo de felicidade naquele processo. E se há algo que combinei comigo mesma é que essa vida é para me fazer sentir felicidade, que o caminho precisa ser o mais doce e feliz possível. Naquele ponto da minha vida, eu não via nenhuma felicidade, era um incômodo terrível não conseguir avançar, não conseguir escrever, ver meu prazo diminuindo, minha ansiedade crescendo, minha energia super baixa. E eu só conseguia sentir dúvida: termino ou não termino esse doutorado? quero ou não quero isso pra minha vida? isso me importa ou não? preciso mesmo viver essa chatice de escrever a tese?

E é nesses momentos que precisamos parar tudo. Foi o que eu fiz: me levei para tomar um café para que pudesse refletir com mais foco sobre o que eu realmente queria para o meu caminho. Era hora de ter uma boa conversa de Paula para Paula.

“Paula, o que você está querendo? Quer mesmo terminar seu doutorado? Isso é importante para você?”. E aos poucos eu podia sentir o que as imagens e visualizações me traziam. Percebi que ao me enxergar com o doutorado concluído, eu sentia felicidade. Percebi que ao me enxergar não terminando esse processo, eu sentia um peso nas costas. Eu via mais luz em terminar do que não terminar o doutorado. Fiz uma visualização usando uma balança… de um lado havia a imagem do doutorado concluído, do outro havia a imagem de eu depois de uns anos vendo que não concluí o doutorado. E sim… meu coração me mostrava claramente: concluir o doutorado me trazia mais felicidade.

Quando terminei aquele café eu sabia que meu caminho era em direção a terminar o doutorado. Era para lá que eu precisava seguir. Mesmo que isso significasse viver uma parte não tão feliz e agradável assim, que era escrever a tese. “Paula, vamos para casa e vamos terminar a tese o quanto antes”.

Nessas horas uma boa música pode me ajudar, nessas horas uma boa respirada profunda pode me ajudar, nessas horas pode me ajudar lembrar que um passo de cada vez é o que sempre me levou ao topo da montanha ou ao fim da trilha Inca. E um passo eu sempre consigo dar.

Reuni minhas forças escrevendo uma frase de cada vez. Valorizando cada palavra que pousava no papel.

Foram dois finais de semana de imersão: eu, minhas páginas de estudos, meus livros de pesquisa, minhas anotações de campo e meu computador.

E linha após linha eu celebrava. Palavra após palavra eu agradecia.

“Estou mais próxima do fim”, era o que eu sentia e me preenchia com um alívio e uma certa felicidade.

E assim, foi maravilhoso escrever a última linha. E foi igualmente maravilhosa a sensação de levar a tese impressa para minha orientadora fazer a última revisão. Maravilhosa a sensação de me reunir para defender a tese para minha banca. A sensação de ver meu documento de conclusão do doutorado. A sensação de entregar a última revisão na secretaria.

Hoje sinto felicidade quando penso no doutorado concluído e o período da chatice da tese nem vibra mais nas minhas memórias quanto tão chato assim. Parece muito com a sensação de desgaste e dor que vivi em alguns trechos do Caminho de Santiago ou das idas à montanha. A dor vira uma referência, mas não tem a mesma força na memória. E se há algo que foi muito valioso nessa jornada foi o ponto em que me levei para tomar um café e refletir e visualizar a balança, onde estava a luz do meu caminho, onde estava minha felicidade, onde meu coração dizia para ir. Esse momento de reflexão é uma das lições preciosas que meu doutorado em sustentabilidade trouxe, ele contém luzes sobre como me sustentar em caminhos que importam para meu coração, luzes que hoje podem virar a história desse texto.

Paula Quintão

02 de abril de 2017

43 Comments

  1. Kassiana Germani

    Paula, estou nesse “sofrimento” para escrever a dissertação de mestrado. E esse texto foi “meu café”. Caiu como uma luva no momento em que eu vivo. Preciso terminar esse mestrado pra voltar a ter alegria! Obrigada! bjos

    1. Paula Quintão

      Kassiana, querida, te desejo toda a luz aí em seu processo. Que “uma linha de cada vez” seja também uma realidade por aí, como um passo de cada vez que nos leva ao topo da montanha ou ao final do caminho de santiago. Beijos e uma bela semana.

  2. Cibele Castro

    Adorei esse texto, Paula querida! Muitas vezes, quando a gente começa a procrastinar algo, a tendência inicial é de achar que a melhor escolha é mudar de objetivo e deixar a tarefa inicial pra lá. Mas às vezes é preciso só olhar pra dentro e encontrar a motivação para continuar. A resposta está sempre dentro da gente.

  3. Rico Oliveira

    Paula querida,

    Sua perseverança lhe faz uma pessoa incrível. Primeiro, lhe permite alcançar o objetivo em foco, e depois transforma as conquistas em mensagens de muita inspiração.

    Muito grato?

  4. Andrezza Souza

    Paula querida! Uma vez ouvi uma historia que dizia que antigamente em tempos de guerra muitas pessoas morriam, e quando tudo passava, a maneira das pessoas se cumprimentarem umas as outras, era: Que bom que você existe! È são essas palavras que quero deixar à você hoje: Paula que bom que você existe! Beijos com carinho!

  5. Andrezza Souza

    Paula querida! Uma vez ouvi uma historia que dizia que antigamente em tempos de guerra muitas pessoas morriam, e quando tudo passava, a maneira das pessoas se cumprimentarem era: Que bom que você existe! São estas palavras que quero deixar à você hoje: Paula que bom que você existe! Beijos com carinho

  6. Marisa

    Paula, repito… você tem sido Luz para mim!!! Gratidão imensa por ter te encontrado através de uma querida pessoa/flor, a Renata Ninello que também é Luz em meu caminho. Gratidão pelo texto!

  7. Rivaldo Neri

    Olá Paula, amigos e amigas da Paula Quintão! De fato, quando se tem uma meta bem definida e um objetivo real por que viver, grandes coisas somos capazes de realizar. Eu vejo em Paula essa pessoa muito bem decidida e que sabe qual o caminho deseja trilhar e que lhe faça bem como ser humano. Suas atitudes, seus pensamentos sua generosidade, sua vontade firme de vencer e permitir aos amigos que também celebrem com ela os louros da vitória, tornam-lhe, cada vez mais, uma pessoa cativante. E mais, sem egoísmo, convida e acompanha os seus amigos a uma caminhada também de vitória. Esta é a Paula Quintão, pessoa determinada que escolheu o caminho do sucesso. Vive o sucesso! Mas, sobretudo, com simplicidade e humildade. Parabéns, Paula Quintão, por engrandecer a internet brasileira, e, quiçá, do mundo, com suas brilhantes palavras de encorajamento a todos quanto almejam a vitória. Um grande abraço!

    1. Paula Quintão

      Querido Rivaldo, a vida trouxe você quando eu estava em meus primeiros passos no ambiente online, quantos e quantos anos atrás! E hoje, aqui estamos a celebrar os tantos passos possíveis depois daquele encontro. Te agradeço seu olhar cheio de afeto e amor sobre meu trabalho e sobre minhas partilhas. Obrigada, querido!

  8. Luana Correa

    Que depoimento maravilhoso de se ler numa segunda-feira, Paulinha! Eu li o texto, dei um suspiro e um sorriso e pensei no quanto você traz luz para a vida das pessoas! Quando crescer quero ser assim! hahahahaha! Grande beijo!

  9. Fernanda Misumi

    Que delícia de texto. Me coloquei a questionar “porque a maioria das mães não se recordam como era TÃO difícil criar um bebê”. Sempre me questionei e hoje lendo seu trecho ” A dor vira uma referência, mas não tem a mesma força na memória” eu entendi. É isso. A dor e as diversas dificuldades, noites em claro, vira apenas referências, mas o que se prende na memória é a imagem do filho alegre, grande, saudável, vivo e cheio de energia. A Natureza é mesmo muito sábia. Muito obrigada Paula querida. Um beijo e um abraço carinhosos.

    1. Paula Quintão

      Teve uma vez que eu ainda era criança e esqueci uns materiais da aula de natação em casa, tive que voltar correndo e buscar, senti tanta dor na perna, muita dor. Só que depois, quando eu fui contar para os meus pais, por mais que eu tentasse simular a dor de novo no meu corpo, era impossível. O mesmo com os momentos de intensidade emocional, vi depois quando me recordava da época da gravidez na escola. Era só uma referência, uma lembrança, mas não tinha o mesmo impacto. Desde lá descobri e isso me ajuda muito nos momentos que está “pesado demais”, porque sei que logo eles são apenas uma referência.

  10. Adriana Souza

    Que texto maravilhoso!!!!!! Excelente idéia, se levar para tomar um café e conversar consigo mesma é uma opção incrível, gratidão, Paula! Um beijão!

  11. Vanessa dos Anjos

    Paula querida, boa noite! Que maravilla ler seu texto incrível hoje, justamente nesse momento tão intenso na minha vida. Apaixonada platonicamente (e não correspondida) por um amigo em vias de terminar o doutorado, sinto-me em um abismo. Pela terceiro ano tentando o mestrado, nunca conseguía escrever um texto com cara de texto. Mas, Gracas a um balde d’água trincando jogado acertadamente pelo doutor, cá estou entre anotações, ideias e textos melhores elaborados. Minha pesquisa? Uma autora rainha cujas protagonistas vivem amores não correspondidos. Um beijo e grata, muito grata pelo seu doce texto.

  12. Rico Oliveira

    Este papo-cabeça que você tem de “Paula pra Paula” e o efeito catalisador de ideias que o simbólico café nos dá, deve ser sempre celebrado, querida Paula.
    Grato por mais esta bela história incentivadora. ???

  13. Tatiana

    Minha querida Paula, seu texto é de uma plasticidade…Ao fazer a leitura, vi tudo o que eu estou passando em meu Doutorado.Assim como você, não estou sentindo felicidade no processo… Um trecho que me tocou muito foi: ” (…) me deparei com o inevitável: sentar e escrever, escrever, escrever, escrever e escrever longamente sobre um assunto que eu amava mas que não tinha vontade de escrever em formato de tese.”Sinto exatamente isso. Tenho muitas reflexões e anotações sobre o meu objeto de pesquisa, mas gostaria de escrever em forma de aforismos, de notas, de cartas de leitores, de artigos, menos em forma de tese. Assim como você, reflito sobre a importância deste Doutorado e minha vida e também agradeço por cada palavra, por cada linha que consigo escrever. Obrigada por compartilhar sua experiência.

  14. Tatiana

    Minha querida Paula, seu texto é de uma plasticidade…Ao fazer a leitura, vi tudo o que eu estou passando em meu Doutorado.Assim como você, não estou sentindo felicidade no processo… Um trecho que me tocou muito foi: ” (…) me deparei com o inevitável: sentar e escrever, escrever, escrever, escrever e escrever longamente sobre um assunto que eu amava mas que não tinha vontade de escrever em formato de tese.”Sinto exatamente isso. Tenho muitas reflexões e anotações sobre o meu objeto de pesquisa, mas gostaria de escrever em forma de aforismos, de notas, de cartas de leitores, de artigos, menos em forma de tese. Assim como você, reflito sobre a importância deste Doutorado em minha vida e também agradeço por cada palavra, por cada linha que consigo escrever. Obrigada por compartilhar sua experiência.

  15. Celso Bastos

    Paula, como vai ?
    Sou arquiteto e estou em doutoramento em engenharia ambiental….e pai de uma Paula tb, rs
    Já no quarto ano e sentindo o mesmo que todos os colegas aqui descrevem
    Solidão, angústia e a incerteza momentânea de saber por que me meti nessa encrenca, para que esse doutorado me servirá ?
    Quando vejo o quanto privo minha mulher e filhas pelo fato de não ter o tempo que elas merecem de mim, fico chateado e na dúvida se conseguirei resgatar esse tempo e os momentos perdidos.
    Ainda tenho muita coisa para fazer e em engenharia a pegada é pesada.
    Bom ler suas palavras e de todos aqui, essa corrente fortalecerá a cada um e em breve estaremos de volta relembrando o sofrimento e até rindo de nós mesmos, assim espero.
    Obrigado pelo incetivo, estímulo e exemplo.
    abs a todos
    Celso Bastos

    1. Paula Quintão

      Oi, Celso, que por aí você tenha colocado sua balança, se levado para um belo café ou jantar a sós com seus pensamentos, e feito seus alinhamentos sobre seu momento e movimento de doutorado. Alegria saber que de alguma maneira partilhamos esse momento.

      1. Celso Bastos

        Oi Paula, ainda não rolou esse café, mas estou tentando não perder o foco. Quanto volto a pesquisa, me deparo com outras demandas do tipo artigos e trabalhos profissionais. Preciso administrar meu tempo com a minha realidade de vida (…se é que doutorando tem vida). Tenho dois artigos para entregar dentro desse mês, sendo um para revista indexada no minimo B1 (inglês) e outro para um congresso internacional. Ainda respiro…..obrigado por responder.

  16. Tarcia Barreto

    Que maravilha ter lido isso hoje, tanto tempo depois da publicação e com um imenso significado hoje pra mim. Estou na escrita final da tese e já quase sem forças para continuar, seu texto caiu com perfeição para o momento… simplesmente GRATIDÃO!!!!

  17. Lucas Maroubo

    Paula, que prazer em conhecer sua história!

    Não me regozijo pela angústia que você sentiu durante esse processo árduo de escrever a tese, pois atualmente sinto mas mesmas dores, mas alegro-me por poder confirmar por meio do seu relato que no final tudo vale a pena…

    Passados quase 4 anos da sua publicação, encontro-me agora aqui, entre procrastinações e desânimos decorrentes de fortes cargas emocionais que envolveram mudanças, situação financeira, término de relacionamento, questões familiares, profissionais e de saúde (mental e física), com meu prazo de depósito de tese prorrogado por 2 vezes, o que significa quase 1 ano de “atraso”. (Para tanto, eu tive a “sorte” ou o “benefício” de contar com as solicitações de prorrogações que estavam sendo aceitas por conta da pandemia do coronavírus. Paradoxalmente, eu tenho o “azar” e o “prejuízo” de testemunhar diariamente milhares de pessoas morrendo por conta do covid-19 – é um sentimento complexo de “gratidão” por estar vivo e por ainda ter minhas oportunidades mas, ao mesmo tempo, de extrema “lamentação” por ver que muitos não estão podendo nem ter a chance de viver).

    Como pode ter percebido, passei em um curto período por um turbilhão de situações perturbadoras. E este seu texto diz muito sobre o que estou vivenciado no atual momento em relação à finalização do meu doutorado. Assim como outros leitoras já comentaram aqui, suas palavras me serviram como aquele seu café da tarde que foi imprescindível para que você pudesse seguir adiante, cumprindo o seu propósito, fazendo o que você sabia que tinha que ser feito.

    Obrigado pela sua contribuição! Reabasteceu minhas esperanças. Agora me sinto muito mais preparado para minha imersão, porque sei, sinto e quero continuar sentindo que o dia da minha vitória está cada vez mais próximo!

    Abraços!

  18. Nazaré Oliveira

    foi muito inspirador esse texto porque estou nesse processo! Espero de verdade vencer como você venceu! O meu doutorado esta no inicio e ja esta cheio de angustias!

  19. CAROLINE CAVALCANTE DO NASCIMENTO

    Paula… que alívio em ler seu texto..me sinto assim como vc se sentiu! Agora me fala uma coisa, vc disse que em dois fins de semana terminou tudo. Eu tenho dez dias pra finalizar tudo e estou na metade do último capítulo…vc acha possível? De qq forma, estou profundamente agradecida pelo seu relato, me deu forças para seguir! 😉

  20. Camila

    Caramba, hj estou eu aqui, em 2022, vivendo algo muito semelhante. Que texto maravilhoso! Vc não imagina o quanto eu precisava ler isto.
    Faltam 6 meses para defender e eu estou com depressão por causa da perda de um ente querido.
    Minha filha tem síndrome do pânico e precisou parar a escola novamente, no último ano do ensino médio.
    No texto vc diz que sua filha estava com depressão e decidiu viajar de mochilão com ela, após a defesa. Se não for muita intromissão da minha parte, vc poderia me dizer como foi? E se ela ficou bem depois disso?

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