Representação da Própria Vida

O que é um quebra cabeça senão a representação da própria vida? “Vá, Carlos, sê gauche na vida”, como anuncia o Drummond em seu Poema de Sete Faces, viemos todos empurrados por um anjo torto. Somos lançados a esse mundo numa aventura de desvendamentos, passando por altos e baixos, literalmente batendo cabeça daqui e dali, sendo desafiados a sempre encontrar um recurso a mais, um encaixe a mais, uma perspectiva a mais, uma peça a mais. Como dizem os estudos cabalistas, “a vida é um jogo de esconde esconde”. Olhos atentos. Visão do todo. Detalhes no micro. Virtudes da paciência, do zelo, da temperança. De peça em peça.. no passo a passo. Buscamos incansavelmente pelas respostas e pelas peças, e quando elas enfim se encaixam, parece que desde sempre estiveram ali. A busca cessa e recomeça na peça seguinte. Até que o quebra cabeça se completa. Fim. Nesse momento, o paradoxo da vida se repete no quebra cabeça: miramos tanto a completude, que quando ela se faz como é deliciosa e ao mesmo tempo triste a última peça. Ah! A última peça. O último ato. O último passo. O último suspiro. Celebrar, agradecer, lamentar, e se perguntar: será que encomendo um novo quebra cabeça pra montar? E renascer nada mais é do que encomendar um novo quebra cabeça. Renascer ao início de um dia, de um ano, de um ciclo, de uma vida, de peça em peça, no passo a passo.
Paula Quintão em 05 de setembro de 2023.