TRÊS VIVAS AO INESPERADO sobre lições de uma expedição 4×4

Ah… a vida e as surpresas que ainda reserva. O novo me faz muito feliz, porque apesar de viver muitas e muitas experiências novas sempre, ainda assim a cada esquina, basta ter olhos para ver, inusitadas e surpreendentes situações surgem. E foi assim, arregalados, que meus olhos se comportaram diante de um “simples e desinteressado” passeio de 4×4 numa tarde de sábado quando eu morava em Manaus.

“Vá fazer uma trilha de jipe com o Herbert, você vai gostar”, me disse a Tula, super animada, dizendo ela mesma que detestava tudo aqui. Ri e aceitei o convite. Na época não conhecia o Herbert, hoje ele é um grande amigo inspirador.

Cabe dizer que eu nunca tinha andado de jipe, por isso já seria uma novidade de qualquer forma. E não ter andado de jipe inclui também a total falta de noção do que é ou não é possível se fazer com um carro.

Sabe aquele barranco ali na frente que parece inconcebível passar em quatro rodas? Esqueça o “inconcebível”, é por lá que passaremos.

Sabe aquela erosão lavada pela chuva há dias que nem à pé você se arriscaria a passar? Pois é por lá o nosso caminho, apertem os cintos.

Está pensando que a estrada terminou? É porque ainda não percebeu aquela aberturazinha ali no canto, é por ela que seguiremos.

 

Fazer trilha de jipe, descobri, é passar por caminhos de acesso difícil, é criar caminhos que não existem, é transformar o “será?” em “deu certo”. Entre uma curva desmoronada e outra, entre um galho solto no meio do caminho e outro, uma chuva das mais fortes que já vi por essas bandas desmoronou sobre nós.

O jipe do Herbert não tinha vidros, ou melhor, até tinha do meu lado, mas ele não fechava por completo. E quem se importa? Quem se importa de ficar molhado ou de ter seu carro atolado nas lamas varridas pela água forte? Quem se importa em tentar acessar um caminho por alguns minutos e por causa da insistência seu jipe parar de funcionar? Quem se importa de ficar com o pé cheio de lama? É o contrário de se importar. É um prazer imenso por haver “pedras no caminho”.

E aquela experiência me ensinou muito, muito, muito sobre o quão receptivos podemos ser aos imprevistos dessa vida, ao imprevisível, ao inesperado, ao caos que se instala.

Tal qual num jogo de obstáculos, o inesperado se torna parte fundamental do caminho, bem-vindas as pedras e lamas, caminho que tem ponto de saída mas tanto faz qual será o ponto de chegada. Felicidade mesmo é estar ali.  Para aqueles jipeiros, tanto faz o percurso que se fará, interessa a parte em que estão dentro de seus jipes e passam pelo ponto de encontro (um posto de gasolina na estrada do turismo) dizendo “vamos?”. Depois que saem dali, tudo é caminho, tudo é uma partida só, tudo é “brincadeira”, como um deles mesmo dizia.

O espírito de equipe, o companheirismo, o bom-humor e a tolerância se sobressaem a todo instante. Não há tempo, não há pressa ou vontade de chegar logo. A lógica do trânsito não impera entre os caminhos do jipe. Impera a lógica da trilha, a mesma lógica das mãos estendidas que encontrei ao caminhar ao topo do Monte Roraima, pela trilha inca ou pelo Caminho de Santiago, do cuidado de um com o outro, da assistência plena e motivada pelo bem comum.

Bem-vindas sejam as pedras, bem-vindo seja o inesperado.

(adaptação do meu texto originalmente publicado em fevereiro de 2012 em Manaus pra Mim)

Paula Quintão

17 de maio de 2016

 

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