VIDA FINITA, EU TE HONRO. Sobre dias de aniversário, arco-íris, águas e encantamento

Escolhi uma paisagem para meu dia de aniversário. E hoje eu olho o mar. Não da praia, mas da embarcação, de onde, daqui a alguns minutos, me lançarei nas águas para terminar meu treinamento de mergulhos.

Há quase um mês, sentada nas margens do Rio Iso, um dia antes de chegar a Santiago de Compostela, um verdadeiro anjo se sentou ao meu lado e começamos a conversar. Naquele momento eu não sabia que ele era um grande anjo na minha vida, mas 24 horas depois eu saberia. Ele de Portugal, da cidade do Porto, ganhou toda a minha atenção quando negou o chocolate que eu ofereci dizendo que estava a caminhar sem comer doces, sem se intoxicar com açúcar, álcool, internet, músicas ou cigarro. “Estou limpo”. Ele falou as palavras que eu adoraria dizer naquele momento, as palavras que eu quero dizer nessa vida. “Estou limpa de tudo que é tóxico para mim… pensamentos, emoções, sentimentos, reações, escolhas, alimentações”. É o que estou a buscar e viver como posso dia após dia: limpezas profundas.

Aquela conversa mágica me deu forças para caminhar os 40km que me levaram a Santiago no dia seguinte. 40km que eu nunca havia caminhado antes, uma distância inconcebível considerando-se o meu histórico de 35 dias de caminhada. E entre tantas profundidades que conversamos às margens do rio, fiquei com muitas palavras do Tomás percorrendo a minha mente tais como luzes e uma delas foi “faça um curso de mergulho, Paula, você vai ganhar um novo mundo”.

E aqui estou eu. Vendo o mar balançar e me esperar com meu colete, com meu cilindro, com minha máscara e minhas nadadeiras.

Entre arraias, cardumes, estrelas do mar e coisas lindas que nem sei o nome, há também uma Paula aprendendo a respirar, aprendendo a controlar o medo de colocar a cabeça debaixo da água, aprendendo a lidar com suas inseguranças, aprendendo que debaixo da água os olhos precisam sorrir mais que a boca, aprendendo a ter calma, aprendendo que uma conversa, simples que seja, pode trazer muita força e luz para nossas vidas, como aquela conversa com o querido Tomás me trouxe.

Ao chegar no curso de mergulho, surpresa a minha: o instrutor era um português de Portugal, um português da cidade do Porto. Chorei ao reencontrar o Tomás no instrutor, nascidos na mesma cidade, qual a probabilidade disso acontecer? Chorei por dentro, de alegria, ao descer ao mar pela primeira vez sendo guiada pelo instrutor de Portugal, chorei de agradecimento por estar aqui e por ver a vida acontecer diante de mim e eu ser parte dela.

Mas para que eu possa ver a vida diante de mim e ser parte dela, um dia eu precisei despertar. Precisei cambiar algo, virar uma chave.

São pequenos despertares que nos levam a essa vida plena. Um dos despertares foi a consciência da minha finitude e meu olhar constante sobre que rumo quero seguir.

Quando fui pela primeira vez ao Monte Roraima, meu guia me contou sobre uma antiga tradição dos índios Aimarás que diz que todas as vezes que vemos um arco-íris somos convidados para repensar nossa vida, a olhar para nossas escolhas e questionar se estamos mesmo felizes, se estamos mesmo no caminho que gostaríamos de estar. É linda essa crença dos Aimarás, porque ela traz a oportunidade de olhar para tudo e repensar. Olhar para a vida e sentir se ela está mesmo sendo bem vivida… É um despertar perceber que temos essa possibilidade todos os dias… Que não existe o “tem que ser assim”, e sim possibilidades infinitas.

A vida acontece quando estamos imersos no presente. O maior presente da vida é viver o agora por inteiro. Viver o que está acontecendo nesse momento. Viver em celebração, aproveitando cada um dos preciosos milésimos de segundo que temos. Aí está a vida.

Todos os dias eu acordo e penso como eu posso tornar meu dia único. Acordo e sinto o dia, sinto onde estou, sinto as luzes que orientam minha caminhada.

E não há um dia sequer que eu não pense na minha morte, na minha partida. Todos os dias eu considero a minha morte. Não faço isso com tristeza ou como um peso, eu faço isso para ter a perspectiva da morte diante de mim, da finitude da vida diante de mim. Essa finitude é a maior certeza que temos diante de nós. E é lindo poder olhá-la com amor, com afeto, com entendimento, com consciência, olhos nos olhos.

“Finitude, eu sei que você está aí. E eu estou aqui pronta para preencher com muita vida cada um dos meus dias antes da sua chegada”, é minha forma de honrar a vida e a finitude.

E quando meu aniversário se aproxima, e hoje é dia de festa no meu coração, eu considero ainda mais a minha morte, a minha finitude. Ela quase me abraça e me diz com amor para que eu aproveite meus dias enquanto a vida é o que é, enquanto eu posso explorar todas as possibilidades desse mundo e todas as formas de fazer meu presente ser encantado.

O encantamento está em toda a parte. Basta estar desperto para perceber.

O despertar nos fazer enxergar essa celebração que a vida é.

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Minha vida pode ser muito encantada quando eu me descubro diante de um instrutor de Portugal, da cidade do Porto, do mesmo país e da mesma cidade do homem que em uma conversa me despertou para estar aqui fazendo o curso. É encantada a vida nesse momento.

Minha vida pode ser encantada quando entro pela primeira vez no mar e posso respirar debaixo da água. Minha vida pode ser encantada quando olho para minha filha e vejo que ela está fazendo as escolhas dela e sendo feliz. Minha vida é encantada quando estou diante de um arco-íris. Minha vida pode ser encantada quando eu acordo no dia do meu aniversário e ligo para dar feliz aniversário para o meu pai, porque nós dois aniversariamos no mesmo dia. Minha vida é encantada quando me basta um canto qualquer no mundo para eu me sentir em casa. Minha vida pode ser encantada quando eu tenho sede e então bebo água fresca.

Tudo pode ser encantado se eu permito que seja. E aí está um modo de fazer a vida ser plena.

Há alguns dias escrevi um artigo aqui mesmo para o blog sobre o Caminho de Santiago de Compostela não se fazer pelos quilômetros que percorremos, o Caminho se fazer pelas experiências, pelo que sentimos, pelo que aproveitamos, pelo que transformamos em nós.

Da mesma forma a nossa vida. Vida, em sua mais pura essência, que é essa energia toda que flui, que se movimenta, que se move, que se expande, que é uma celebração divina, não tem nada a ver com os anos vividos. A vida se faz pelas experiências, pela forma como aproveitamos nossos momentos, pelo quão despertos estamos para encontrar magia em tudo que há ao redor.

Olho hoje meus 32 anos e sinto que por dentro eu vivi muito mais anos. Parecem até várias vidas dentro de uma só vida. É quando eu sinto que estou aproveitando bem minha existência… várias vidas dentro de uma vida, várias experiências que compõem o caminho.

Termino meu texto de hoje com uma frase muito linda que encerra o filme Quincas Berro D’água, do Jorge Amado, que já tive escrita na parede de uma das casas que vivi.

“Só pode chorar a morte, quem morreu sem ter vivido”.

Vida finita, eu te honro.

Paula Quintão

08 de novembro de 2015

 

paula

 

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9 Comments

  1. Helga

    Parabéns querida pelo aniversário, pelo renascimento e também pela morte mencionada em seu texto.
    Que esta nova renovação lhe traga muito mais vida, conhecimento, energia, oportunidades infinitas de novos conhecimentos e oportunidades gostosas de ter um instrutor da mesma “terra ” que um “amigo ” que indicou uma nova oportunidade de um novo conhecimento. Parabéns por ser forte, guerreira e poderosa. Muita luz e sucesso em seu caminho. Gratidão ?

  2. Fê Krassuski - Naturallus

    Paula querida, parabéns por mais um dia de celebração da vida, que hoje, recebe um “toque especial de Paula”.

    Te desejo muitos encontros especiais, como o com Tomás e o instrutor português. Dizia Vinicius de Moraes que essa é a arte da vida: o encontro. E eu concordo plenamente.

    Recebi esse texto de hoje como resposta ao último e-mail que te enviei. Para a angústia de pensar em excesso, você me deu a resposta que mais faz sentido para mim: “Honre a vida finita”.

    O aniversário é seu. Mas quem agradece e celebra é o mundo, por ter sua alma transitando por ele.

    Beijos, com carinho!

  3. Beatriz Klock

    Me emocionei com cada palavra desse texto. Concordei com tudo e principalmente, com a ideia da finitude. Andei pensando nisso nos últimos dias, ao aceitar que é só isso que temos certeza nessa vida, que em algum momento tudo irá se acabar e que o melhor que podemos fazer é viver tudo o que pudermos, nos abrirmos para as experiências e vivê-las plenamente, tirando delas o melhor aprendizado. A vida é um presente magnífico que temos nas mãos.

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