Da vizinha em caos com seu filho

Da vizinha em caos com seu filho, por Paula Quintão.

Das últimas vezes que amanheci cedo para cuidar dos meus plantios testemunhei a vizinha, que é mãe, em caos com seu filho naqueles instantes finais antes de entrarem no carro e seguirem para a escola. Não tenho opção de não prestar atenção, já que tudo é quieto e silencioso, aquela mansidão típica do amanhecer, e de um minuto para o outro começa a vir de dentro da casa uma onda de gritos que vai alcançar a porta da rua, e então a rua e depois a entrada no carro. “Anda, menino!”. Gritos e alvoroço. Fico sempre torcendo para que aquela mãe em caos não me veja, preferia ser invisível para facilitar a vida dela. Seu estresse já é grande demais pegando o menino quase pelos cabelos na insistência de não se atrasarem para a bendita escola. Tem vezes que o filho já está quase dentro do carro e esquece algo. Pelo amor de Deus… A mãe grita “esqueceu o que, menino!?”. Eu a vejo, ela me vê, mas mesmo assim me faço de invisível evitando que meus olhos passem por qualquer elemento da cena. “Eu sei… eu sei”, digo para ela em meu pensamento. Mal sabe: eu sou ela há 15 anos atrás. Ela sou eu pelos idos de 2008 quando nas manhãs eu era a mãe em caos com minha filha. “Anda, menina!” Do fundo do meu coração eu envio uma mensagem de que no futuro isso passa, de que esses filhos uma hora aprendem a chegar no horário (ou não), pelo menos termina a fase de levarmos até o colégio. Fato é que aquilo me encanta. O outro sou eu no passado ou sou eu no futuro. Bem ali do outro lado da calçada estou eu em minha versão vinte e poucos anos com minha filha em seus 8 anos me tirando do sério logo ao amanhecer. Bem aqui do lado de cá da rua, ouvindo os pássaros e fazendo meus plantios em silêncio enquanto minha filha logo mais estará de pé com o despertador, também estou eu. “Não seria o outro apenas outras partes vivas de nós mesmos?”, já nos pergunta o filósofo. E em reverência à grandiosidade da vida, respondo que sim. ✨✨🌹🌹 #espiritoselvagem