Mentes Abandonadas

Meu amigo é médico em um hospital psiquiátrico em Manaus. Me chamou para ver como é o trabalho. Não é um convite que qualquer um me faria sabendo que vou gostar. “Você entra pelo portão e naquele canto que parece meio sombrio, é ali a entrada”.
Cheguei junto com a ambulância. “Uma tentativa de suicídio”, ele me avisou. Era uma mocinha. Nova. Tão bonita. A mãe ao lado. Chegaram pra ser atendidas. Tomou nem sei quantos comprimidos.
“E por que você fez isso?”, perguntou o médico. “Eu estava cansada”. A voz quebrada, esfacelando. Do lado, a mãe quebrada e esfacelada, igualmente. A mãe narrava o que houve, incapaz de entender tamanha nebulosidade.
Na sequência um professor. “Eu não consigo me concentrar em nada, doutor, não consigo firmar o pensamento.” Os olhos num horizonte pra além das paredes envelhecidas e descascadas. O sono que nunca vinha. O corpo… Os ombros esmorecidos de um homem que se esqueceu forte. Havia um desencontro. A madrasta o acompanhava, tomava as providências. E a responsável pela ambulância, não sei se é enfermeira, ela ajeitava aquele homem. Aquilo me tocou. Ela ajeitava a sua gola, reforçava as palavras do médico, como se um pouco do seu cuidado fosse capaz de chegar onde a mente ouvia com atenção.
Chega outra mocinha, outra tentativa de suicídio. Nova, regulando idade com a de antes. Com a mãe, sempre a mãe. Outra mãe partida ao meio. Outra menina, outra maca, outra voz esfacelada. “Eu só quero dormir”.
Caminhamos pelos corredores do hospital. As paredes pintadas até o meio. Apesar das luzes, tudo parecia meio escuro. Talvez reflexo das mentes que são recebidas por ali. Não sei, tudo me tocou profundamente. As mentes podem rachar se abandonadas ao próprio vagar, tão enroscadas correm o risco de se perderem de si mesmas. Primeiro perdem o eixo, depois perdem o senso e racham. Não é uma rachadura que vem de uma queda, mas que vem de dentro pra fora, como nessas represas mal feitas que se rompem e cobrem tudo com lama. Mentes abandonadas por trechos de caminho sem luz, nebulosos, onde ao invés de seguirem em frente, estacionam e sucumbem. Pedem por um remédio. Pedem por um alívio. Pedem uma trégua. “Eu só quero dormir”… “Eu estava cansada”.