A SABEDORIA DA INSEGURANÇA

Dedico a Leonardo Blasch que é uma dessas pessoas
que conseguiu abrir seu coração para o que a vida trouxer.

O título desse meu artigo é o mesmo título de um dos livros que mais gostei de ler. Sabe essas leituras que todo mundo deveria ser obrigado a fazer na vida? “A sabedoria da insegurança”, de Alan Watts foi um dos livros mais aquietadores da minha alma.

O primeiro argumento do autor é que a nossa vida é feita de mudanças, que é impossível conter os imprevistos e que estamos constantemente em fluxo. Contra isso ninguém pode argumentar contra: estamos imersos num mundo de mudanças constantes. E se você ainda não aceitou esse fato, uma coisa é certa: você sofre.

E a beleza do livro começa aí: na percepção de que quem não aceita a mudança e o fluxo da vida está em constante sofrimento.

 

O que seria então aceitar a mudança?

Você já ouviu a clássica frase de autoajuda “mudanças vêm para o bem”, ou “o novo é sempre bem-vindo” e que alguma coisa boa sempre vem quando mudamos. Tudo bem essas repetições, essas típicas frases que os seus amigos compartilham em seus murais de facebook. Há milhares de boas mudanças que qualquer um se candidataria a viver: ganhar na loteria, ser sorteado e arrematar um carro zero, virar um milionário fazendo um investimento certeiro, montar a empresa mais bem sucedida do mercado… essas coisas! Mas já parou para pensar na prática quantas mudanças você pode viver que não deseja de jeito nenhum?

Mil coisas podem acontecer e mudar tudo. É só ser criativo: a empresa que você trabalha pode falir. Seus pais podem morrer. Seu cachorro pode fugir e ser atropelado. Seu carro pode dar defeito no meio do trânsito e você chegará atrasado no trabalho. Ou então pode acontecer como aconteceu comigo: voltando de viagem eu senti tanto sono que dormi, capotei meu carro que teve perda total e o seguro, que eu jurava que era para perda total, não cobria nem um centavo do meu prejuízo. O que me restou do carro foi um carnê de mil e trezentas prestações para terminar de pagar.

 

Bem… pensar em coisas que podem mudar é muito fácil e tem pessoas que passam suas vidas se dedicando a pensar nessas mudanças. Quem pensa em mudanças incrivelmente boas são chamados de sonhares ou de “cabeça nas nuvens”, e quem pensa em mudanças ruins são os típicos pessimistas ou para alguns são os “precavidos”. Esses que querem conter qualquer coisa que possa lhes ocorrer se cercam de precauções: cerca elétrica em casa, condomínio fechado, viagens super-hiper-ultra programadas (se é que viajam….), preocupações excessivas com familiares e amigos e um incrível medo da morte.

É aí que entra “a sabedoria da insegurança”, porque ela nos ensina que quanto mais nos preocupamos e nos ocupamos em conter qualquer possibilidade de mudança, ao invés de nos sentirmos mais seguros, o que acontece é um disparo ainda maior da sensação de insegurança. Tente se prevenir das mudanças e o medo das mudanças vão se tornar o centro da sua vida.

Ou seja, quanto mais você tentar controlar a vida e todos os seus fluxos que são próprios dela para se sentir seguro, mais inseguro você se sentirá. Quanto menos receptivo você for às mudanças, mais elas vão te preocupar e mais você vai sofrer (e pior! vai sofrer até mesmo antes delas acontecerem).

Vai sofrer com medo de seu filho sofrer um acidente enquanto viaja, vai sofrer achando que seu avião vai cair, vai sofrer pensando que um dia pode perder o emprego. E mais uma infinidade de outras criatividades que a sua mente preocupada pode ter.

Estamos na chuva, meus queridos leitores, e nosso guarda chuva nem nossas galochas podem impedir que a água nos alcance. Estamos no rio, meus queridos leitores, e para onde a água correr é para onde vamos.

Aceitar que a vida hoje é assim e que amanhã não será mais é o melhor jeito de nos sentirmos tranquilos, em paz e seguros de que o universo é como é e que nós estamos imersos em sua lógica. A lógica do universo é a lógica da renovação. Não vamos tentar lutar contra isso.

Não estou falando em sermos resignados. Estou falando em não antecipar um fato que não se consumou. Faça a sua parte, cuide do que é possível e do que está em suas mãos, e dali para frente não é mais com você. Os imprevistos você não pode tentar conter porque eles não são previstos. Você não pode tentar ser o adivinho da vida antecipando tudo de ruim que pode vir pela frente. Isso não é bom para você nem para quem convive com sua preocupação.

Para quem não sabe, depois do meu acidente eu não me lamentei nem por uma vez o fato de eu ter que pagar aquele talão cheio de boletos, agradeci por estar viva, por minha filha não ter se machucado. Passei cinco meses sem carro, mas por um tempo um amigo me emprestou seu carro chumbreca que foi minha salvação. Terminei de pagar meu imenso boleto que ainda pagaria por 3 anos em apenas 5 meses (me pergunte como…. e eu vou te dizer que nem eu sei!) e comprei um carro novo usando um financiamento muito melhor do aquele outro que eu tinha.

A vida é fluxo. Só nos cabe a nossa parte. Cabe a nós a ocupação, essa que pode ser feita no presente em prol do futuro, mas não a (pre)ocupação que nos faz ocupar com algo que ainda nem está na hora de ocupar. Por que você está preocupado se o avião vai cair? O que você pode efetivamente fazer para evitar isso? Nada. Não tem nada que a sua preocupação possa ajudar. Nada. Nada. O avião não vai ficar mais ou menos seguro se você se preocupar. Então o melhor é se acalmar e confiar que o que tiver que vir pela frente virá.

É um ato de fé. Não digo fé numa divindidade nesse caso, digo fé no universo. Confie que o que tiver que vir, virá.

Ao invés de encher sua mente com antecipações desnecessárias, vá se ocupar com o que é possível hoje. E se não for possível fazer absolutamente mais nada relaxe e vá ler um livro, ou vá escrever um pouco. Qualquer coisa que mantenha sua mente ocupada com coisas reais e não com suas tentativas de prever o futuro para tentar conter todas as mudanças que possam acontecer.

As mudanças vão acontecer. É assim.

Quanto antes você entender isso, quanto antes você aplicar essa sabedoria em sua vida, mais leve, mais livre, mais seguro você se sentirá.

Faça isso por você. Faça isso por quem convive com você. E mantenha a mala do canto da sala, você nunca sabe quando vai precisar dela.

 

 

 

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19 Comments

  1. vidalarga.com.br

    Paula, é impressionante como sofremos por coisas que não estão ao nosso alcance e como antecipamos problemas. E mais impressionante ainda é como os exercícios diários para libertação destes hábitos funcionam. A grande sacada é saber que existe vida fora dessa angústia rotineira.
    Grande abraço.

  2. Antonio Cavalcante Albuquerque

    “SABEDORIA DA INSEGURANÇA” É VERDADE NOS PREOCUPAMOS MUITO COM O QUE PODERÁ ACONTECER, MAS AS GRANDES MUDANÇAS EM NOSSA VIDA ACONTECEM PORQUE PRECISAM ACONTECER, SÃO FRUTOS DO NOSSO PLANTIO E COLHEITA, CAUSALIDADE. NADA ACONTECE OU DEIXA DE ACONTECER POR ACASO. ENTÃO PORQUE FICAR PREOCUPADO SE O AVIÃO VAI CAIR! APRENDI ALGUMAS COISAS BOAS LENDO SEU ARTIGO, PARABÉNS

  3. Beatriz Loss Klock

    Oi Paula, realmente esse texto faz a gente pensar na idiotice que é se antecipar às coisas e principalmente, ir contra o que não podemos controlar.
    Excelentes argumentos, você tem o dom das palavras.
    Adorei!
    bj

  4. Sheyla Mara Coraiola

    Perfeito. Li o texto apenas hoje, mas foi tudo que eu precisava para hoje. Obrigada minha irmã Angela por ser minha luz e me indicar essa leitura. Obrigada Paula, você tem sido nossa inspiração.

  5. Priscila Dutra

    Oi, Paula! o livro parece maravilhoso! onde acho dele para comprar? tenho visto só em inglês dele na internet. Alguma dica? parabéns pelo artigo! adorei!

  6. Claudio Faria

    Oi! Li esse livro há muitos, muitos anos atrás e ele foi fundamental naquele momento da minha vida. Alan Watts se tornaria então um dos meus autores favoritos. Li praticamente tudo dele que foi publicado em português. O curioso é que ele escreveu esse livro ainda bem jovem, o que mostra como desde cedo ele já demonstrava possuir uma sabedoria acima da média. O livro é realmente uma preciosidade e fiquei feliz por conhecer outra pessoa que tenha gostado tanto. Penso que nesses tempos sombrios nos quais vivemos, ele se torna ainda mais importante.

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